Galinha Cega
(homenagem a João Alphonsus)
Era uma galinha cega. Era cega porque haviam dito que era: “olha, você não enxerga porque é cega”. A galinha pensou em como era ser cega sem nunca ter visto um nada sequer a não ser o negro diário que sempre a acompanhava. E era negro porque também disseram que era negro, caso contrário a galinha poderia ter nomeado como azul ou rosa ou até laranja, afinal de contas era apenas um nome e tão somente isso. Era cega, sim, mas não sabia muito bem o que isso significava. Talvez não ser cega evitasse alguns galos na cabeça. Galos na cabeça? Ela ficava imaginando como é que um galo poderia nascer na cabeça de uma galinha. Era cega, mas não era burra e sabia muito bem de onde vinham os ovos e os pintinhos e por conseqüência algum galo cantador das madrugadas. Desde que se percebeu galinha, aprendeu a ciscar e a catar milho com a ajuda das companheiras de galinheiro e isso já não era problema. As outras galinhas tinham muita pena da ceguinha e faziam questão de dizer isso a ela. Era ceguinha e por isso precisava de cuidados e sempre os lamentos cacarejados das companheiras fizeram a ceguinha acreditar que realmente era diferente e era menos do que qualquer outra galinha, menos até do que aquelas que viravam canja ou espetinhos. Tais pensamentos faziam a galinha cega questionar o universo sobre as razões de sua cegueira e queria tanto não ser cega. Nada era assim tão difícil para a galinha que se esforçava em fazer tudo como se fosse uma galinha normal. Só uma coisinha a preocupava e muito de quando em quando. A dona raposa, malvada comilona de galinhas indefesas. Nas noites em que Dona raposa atacava, o galinheiro ficava em alvoroço e a galinha cega não sabia muito bem o que fazer e por isso cacarejava e corria de um lado para outro sem saber exatamente para onde ir e para onde não ir. Era aí que lhe nasciam os famosos galos na cabeça. Por sorte conseguia escapar da raposa e vai se saber como e por quê Dona raposa não a atacava. Na verdade a galinha cega não queria entender as razões da malvada raposa. Era suficiente saber que sua correria desenfreada evitava sua captura e pronto. As outras galinhas também não entendiam o por quê da raposa não atacar a ceguinha. Por vezes era fácil ver a galinha correndo bem na frente da famigerada dona raposa e a tal nada fazia. Pulava por sobre a ceguinha e corria à caça de outra galinha qualquer. As galinhas comentavam à boca pequena e longe da ceguinha para que esta não se sentisse inferior. Talvez este tenha sido o maior problema da galinha cega. Por que? Oras, porque numa outra noite, quando a dona raposa resolveu atacar novamente o galinheiro, logo ao pular para dentro do cercado deu de cara, ou melhor, deu uma trombada com a galinha cega que tentava correr de um lado para o outro porque a gritaria no galinheiro avisava que dona raposa estava na área. A trombada foi feia. A galinha cega estava tonta. Dona raposa estava brava, pois a trombada havia feito com que perdesse tempo e todas as outras galinhas estavam muito bem escondidas. A ceguinha sentou tentando colocar as idéias em ordem. Dona raposa rosnava, mas não atacava. Dizem as outras galinhas que houve uma conversa entre raposa e ceguinha e que foi mais ou menos assim.
- Essa doeu! – disse a ceguinha – que bafo quente é esse?
- É a minha fome gritando por galinha – retrucou a raposa.
- fome... por.. por.. galinha? – tremeu a ceguinha.
- É – baforou mais quente a raposa.
- Dona raposa malvada, é a senhora? – perguntou a ceguinha enquanto tentava escapar para um lado que ela não sabia qual devia ser.
- Claro que sou eu, quem mais poderia ser? – respondeu a raposa fazendo pose de dona da situação.
- Bem... como eu nunca vi uma raposa, pensei que pudesse ser um gatinho ou um passarinho ou até mesmo um elefante cor-de-rosa – dizia a ceguinha arrastando as penas no chão tentando se afastar daquele bafo horrível.
- ora, ora, ora... você é a galinha cega? - perguntou a raposa com tom de risada.
- Eu, cega? Que é isso. Não sou cega não – respondeu, orgulhosa, a ceguinha.
- Claro que é a ceguinha. Não sabe reconhecer uma raposa malvada como eu.
Neste momento a galinha cega se encheu de raiva. Era cega sim, mas não deixaria que raposa nenhuma risse de seu bico.
- Não sou cega – cacarejou, altíssimo, a ceguinha.
- Ah! Não é cega? Então, muito bem. Se não é cega vai ser minha refeição, porque eu sou malvada, mas não caço quem não pode se defender.
A ceguinha, então, entendeu o porquê de nunca ter sido trucidada pela Dona raposa malvada e ia dizer que era cega. Sim! Ela era a galinha cega. Porém o tempo correu mais rápido do que se possa imaginar e antes que a ceguinha abrisse o bico para esclarecer que era cega e que não podia ser caçada pela raposa, as outras galinhas em seus esconderijos ouviram o último cacarejar da ceguinha que se despedia do mundo que não viu, presa aos dentes da raposa malvada.