Ludovic Treatment

Aquele era eu. Corroído até os ossos pela mais profunda apatia. Uma vida miserável alimentada por pequenas sensações voláteis e silenciosos surtos esquizofrênicos. Sempre dirigindo a tudo o mesmo olhar vazio, carregado de efemeridades, através daquele par de olhos secos, vagos, que mesmo de pálpebras escancaradas pareciam constantemente cerrados, alheios a tudo e a todos.

Dia após dia, ignorava solemente a passagem do tempo, simplesmente por não ter nenhum interesse em qualquer acontecimento ocorrido além de minhas janelas. Me abstinha da realidade por trás daquelas paredes.

Meu único contato com o exterior, além da terra e da sujeira trazidas pelas patas do velho gato, era um único homem, irmão sem a obrigatoriedade de laços sanguíneos, dos bons e velhos tempos do Leite Bar Korova. Aquele sim era um homem de valor, admirável, que em nenhum momento me havia abandonado, como fizeram todos os outros, nossos antigos camaradas. Ele era a única coisa que me fazia atribuir algum valor àquela nossa juventude, porém há algum tempo até dele eu me afastara um pouco.

Uma notícia veio para despertar o telefone abandonado, e com o soar da campainha e um timbre de voz levemente familiar soube do que lhe acontecera. Eu sabia o que era, sabia o porquê e além disso, sabia o que deveria ser feito.

É sempre assim, quando menos se espera, surge um vendaval que vem com tanta força que é capaz de abalar até a mais concreta das estruturas, o mais inabalável dos homens, aquele alheio a tudo e a todos.

E pela primeira vez em muitos anos, havia um motivo, algo que movia meus membros para o outro lado da fronteira dos portões, me levava ao contato com outros seres viventes, com os quais eu novamente tinha contas a acertar. Apenas a mais profunda frustração pode tomar o trono absoluto da apatia.

Cidade, porta, gatilho, sangue, vingança.

Em meus ouvidos tudo ecoava como a mais doce sinfonia. De volta aos velhos tempos.

Acredito que meu camarada não conteria um largo sorriso ao ver nosso maior inimigo caído aos meus pés, ainda mais decadente e patético do que sempre. Percebi então algo que levei uma vida toda para notar. E agora, finalmente acredito que apenas ações individuais podem provocar pequenas ou grandes transformações. Prefiro as grandes, estrondosas, assustadoras.

Em nome dos velhos tempos.

L
Enviado por L em 28/05/2009
Código do texto: T1620122
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