UM AMOR PARA RECORDAR, UM DIA PARA ESQUECER

Naquela manhã de sábado ele estava em casa rascunhando alguns versos quando tocou o telefone. Ele atendeu. Do outro lado, uma meiga e conhecida voz disse-lhe que estava na cidade e precisava vê-lo, ainda que fosse pela última vez. Ele, então, perguntou-lhe onde ela estava. Ela respondeu que estava num ponto de ônibus, próximo ao único quiosque da avenida tal.

Ele foi ao seu quarto, abriu uma das gavetas do guarda-roupa e pegou uma camiseta. Passou um pouco de colônia nos braços e no tórax, vestiu a camiseta, pegou os documentos e a chave do carro e saiu ao encontro dela.

Da sua casa até o local onde ela o esperava não era muito longe, mas o suficiente para ele relembrar todos (ou quase todos) os bons momentos em que estiveram juntos; do primeiro beijo que lhe fora sutilmente roubado até o último encontro amoroso; das primeiras carícias até o abraço demorado quando do último encontro como amigos, do primeiro toque de mãos até o último beijo nas faces antes de ela partir para outra cidade...

Enquanto dirigia ao encontro da amada, ele não parava de fazer planos para aquele dia: iriam se encontrar, ele pediria desculpas pela maneira fria que a tratou ao telefone na noite anterior, colocariam em dia todos os assuntos pendentes, fariam as pazes, iriam a um motel, se amariam, tomariam juntos um delicioso banho, pediriam um almoço para os dois, descansariam um pouco (ela, como já era de costume, com a cabeça em seu peito), se amariam mais uma vez, pediriam a conta e terminariam aquele memorável dia numa aconchegante sorveteria, ou seja, recuperariam o tempo perdido após a súbita separação dos dois.

Chegando à avenida em que ela dissera estar esperando-lhe, ele diminuiu a velocidade do carro e passou a observar os pontos de ônibus na tentativa de encontrá-la. Foi até o final e nada!... Fez o retorno e refez o percurso, agora um pouco mais devagar. Eis que de repente ele a vê sentada numa cadeira em frente ao quiosque. Ela também o vê e acena com a mão.

Na tentativa de não passar mais uma vez por ela, ele muda repentinamente da faixa em que estava para a faixa da direita, no sentido do ponto de ônibus em que ela o esperava.

Aquele dia que poderia ser inesquecível para os dois, pois tudo conspirava a favor do casal, realmente tornou-se inesquecível. Não do jeito que eles planejaram, mas da pior maneira possível. Ao mudar de uma faixa para a outra, ele esqueceu-se de um dos fundamentos básicos quando se está ao volante: não observou nos retrovisores interno e externo direito se a pista estava livre e entrou repentinamente. De repente ouve-se uma frenagem seguida de uma buzina. Ele tenta retornar para a sua faixa, mas é tarde. Assustada, ela levanta-se com as mãos na cabeça e, sem nada poder fazer, observa o carro do seu amado ser jogado para cima da calçada com o impacto do outro veículo cujo condutor também não teve tempo de desviar e colidiu.

Preocupado, e ainda trêmulo com o susto por que passara, ele desce e dirige-se até o outro carro. Enfurecido, o condutor também desce do seu veículo disposto a brigar. Ele, observado à distância pela amada, percebe que no outro automóvel havia um rapaz, também assustado com a situação. Ele pergunta se estavam todos bem, se ninguém havia se ferido... Felizmente não.

Depois de quase trinta minutos de conversa, chegam a um acordo: ele, assumindo toda a culpa, acerta com o moço que pagará o prejuízo. Dá seu endereço e telefone para mais tarde acertarem como, quando e onde seria feito o conserto do carro.

Acordo feito, ele se dirige a ela. Ambos tremiam muito, não se tem certeza se pelo susto por que passaram ou se pela emoção do reencontro. Ele pegou-a pela mão, conduziu-a ao carro e foram a um estacionamento público mais próximo.

Não tiveram clima para conversas. Apenas olhavam-se, um segurando a mão do outro. Trocaram meia dúzia de palavras, como num jogo de perguntas e respostas. Ele, aparentemente abatido, friamente pede-lhe desculpas por tudo e, ao mesmo tempo, pelo nada que aconteceria entre os dois. Ela olha-o nos olhos e percebe um fogo correr-lhe o corpo. Ele, ainda em transe pelo ocorrido, tenta desviar os olhos como se estivesse querendo esconder o seu desejo por ela. Ela sente vontade de beijá-lo, mas resiste à tentação; não iria mais uma vez se entregar a ele de corpo e alma; esperaria que o amado tomasse a iniciativa... Foi uma espera vã.

“Se eu o beijasse, talvez reacendesse nele o fogo da nossa paixão” – pensava ela. É, talvez ela estivesse certa, ou às vezes não!... Depois do incidente, o melhor a se fazer talvez fosse mesmo cada um ir para o seu lado até que os ânimos esfriassem.

Infelizmente, os ânimos esfriaram de fato. Ele mais uma vez foi covarde: propôs deixar a resolução das pendências amorosas para outra ocasião alegando não haver clima para mais nada naquele dia. Liga a ignição do carro e a leva à rodoviária para que ela possa pegar o ônibus e retornar à sua casa da mesma forma que veio ao encontro dele: carregando no peito a incerteza com relação ao amor que certa vez ele dissera sentir por ela.

Joésio Menezes
Enviado por Joésio Menezes em 26/05/2009
Código do texto: T1615403
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