Agridoces lembranças
Há vários dias que não ia à beira do lago. O outono viera para despir as árvores e cobrir a relva de folhas amareladas pelo tempo. A paisagem, qual triste quadro refletida nas águas, clama por você. O céu, a relva, as árvores nuas, os telhados vermelhos das nossas casas, tudo grita por você! E meu pobre coração como em eco responde. Quedo-me, respiração suspensa, lembranças a vagar...
Nossa infância e adolescência rolando por essas gramas, mergulhando nas águas tépidas, pulando, correndo e deixando o tempo passar como se nada tivesse significado diante do amor, que amadurecia junto com nossos corpos.
Há tempos não tinha coragem de caminhar pelas pegadas deixadas pelo passado.
Em que curva, que árvore, que pedra, que trilha, trocamos carícias, tapas, beijos, insultos, juras e traições?
Onde, em que pedacinho desse paraíso, o encanto esmoreceu?
Durante muitos dias, semanas, estações inteiras, voltei ao lago na esperança de ouvir seu riso em resposta, que como música entraria (sempre) por todos os meus poros e alcançaria minh'alma.
... “Por onde andará o meu amor?” ... esse refrão acompanhou-me dias e noites como visgo em patas delicadas de canário.
Hoje, nada disso importa mais. Posso olhar a água, o bosque, as casas. Posso vasculhar meu coração e constatar que todo o turbilhão de emoções desapareceu manso, em calmaria. Agora, caminhando pelo passado, descubro que não desejo mais ouvir seu riso, sentir seu gosto, devolver tapas.
Como o outono, desfaço-me das cascas. Deixarei meu coração hibernar no inverno. Mas, fatalmente, na primavera florescerei.