O SOPRO
– Cardíaca! – com ênfase, Demétria.
Segundo o evangelho dos amicíssimos de Euclides, Demétria cozinharia o galo até as vésperas do casório. O galo? Euclides! Chorumela. Diria sofrer de um sopro irreversível no coração. Balela! Decerto, poria água no chope na hora da festa. Demétria, inarredavelmente virgem. Um fato, no entanto, era líquido e certo: embora noivo feito, de carteira assinada, Euclides – sempre na hora H – não conseguia consumar o próprio noivado. Bater o ponto? Difícil!...
– Estou cardíaca! – repetia com uma convicção bíblica.
Fizera o mesmo com Eurípides, o namoradinho que mal ultrapassou os limites do portão. Beijos?... De língua, nem pensar!... Beijocas, no máximo. E, enquanto isso, Euclides ridicularizado.
– Demétria é hipocondríaca!
Pobre Euclides, tentava justificar o injustificável. Resistia bravamente a um celibato de dois anos de noivado. Até lhe apresentaram Zeferina, uma guria da pá virada que fazia barba, cabelo e cavanhaque da rapaziada. E o Euclides resistia.
– Desejo-te, Demétria! – quase suplicante.
– Cardíaca, cardíaca e cardíaca!... Já te disse mil vezes, Euclides!
Vez por outra, nova incerta. Dissimulada, fingia ceder. No entanto, na hora H – quando tudo indicava que Demétria entregaria de bandeja a rapadura –, a mesmíssima cantilena.
– Cardíaca de pai e de mãe!
Cardíaca?... Qual nada. Faz doce! Seus amigos estão cobertíssimos de razão: homem que é homem não pede, impõe. Um outro Eurípides? Nem que a vaca tussa!... Noivinho virgem? O escambau!...Vai tê-la antes mesmo do Natal. Do nada, inesperadamente, lhe impôs a data do casamento:
– Vinte e cinco de dezembro.
Bom caráter, afável, bom filho, bonito e trabalhador: o sonho de qualquer mulher de tino. Que jeito?... Aceite. Como dizer não a um homem que promete curá-la do sopro no coração? É cardíaca, sim! Dr. Ari diagnosticou, quando aos seus oito anos de idade. Dr. Ari é tiro e queda. Que jeito?...
– Cardíaca ou não, serás minha!...
Demétria esboçou repetir a mesmíssima lengalenga:
– Cárdia... – aparvalhada, emudece qual canário em muda.
Inútil. Aceite dado é aceite dado. É noiva feita, de carteira assinada. A data do casório, já marcada. Como negar-se a Euclides? Imperativo, não mais a implora. É outro homem. Já a toma nos braços com autoridade de marido. Como negar-se? Aceite dado é aceite dado.
Pernas hesitam, mãos a descobrem e beijos babam. Seu primeiro beijo de boca aberta!... A irmã mais velha lhe disse ter fechado os olhos. Fecha-os. Seus primeiros, e talvez últimos, beijos de boca aberta. Euclides, mais noivo!... Demétria, quase defunta. Euclides ficará viúvo antes mesmo de ter se casado. É cardíaca. Dr. Ari falou-lhe pausado, sílaba por sílaba: “Cardíaca!”. E, uma vez cardíaca, melhor aproveitar de todo o seu viúvo.
– Ah, Euclides!... Euclides?...
E frio, e imóvel, e estático.
– Euclides?!...
Euclides, o primeiro homem – a se ter notícia – que morreu de ataque cardíaco no ato.