A Morte em Vida
Estava eu vindo do trabalho depois de um dia cansativo. Eu trabalho com costura. Passo o dia cosendo, a minha especialidade é costurar camisas masculinas, não sei explicar o motivo, mas é o que mais gosto de fazer como costureira. A minha função é unir as peças de tecidos uma à outra. Passo o dia, a semana, o ano fazendo isso. E pode acreditar é com imenso prazer. Acordo quatro da manhã, minha mãe prepara meu café e faz a minha marmita, para eu almoçar meio dia. Eu começo a trabalhar às oito da manhã, paro pra almoçar, o horário do almoço é de meio-dia até uma da tarde, com isso eu volto ao trabalho e largo às sete horas.
Nesse dia cansativo que eu vinha conheci em uma obra perto da casa de D. Lurdes, a minha patroa, o grande amor da minha vida e pai dos meus dois filhos. Eu estava passando e ele disse uma piadinha: “Quer me coser em você?”.
Eu fiquei assustada porque ele me conhecia. Passei e nem olhei para trás. Isso foi numa sexta-feira. Passado o fim de semana, eu retornei ao meu local de trabalho e na saída às sete horas o rapaz da piadinha me acompanhou até o ponto de ônibus se apresentou e disse que estava encantado por mim. Olhando nos seus olhos eu senti uma verdade absoluta e me apaixonei pela primeira vez por alguém. Eu sentia que ali começava a minha história.
O amor da minha vida é natural de Santo Antônio de Jesus, interior da Bahia. Ele é mestre-de-obra e só nos conhecemos, porque ele foi chamado às pressas para resolver um problema que o antigo mestre não estava conseguindo. E essa obra estava acontecendo na vizinhança da casa da minha patroa, aonde eu trabalho como costureira.
Fui tomada pelo amor daquele simpático mestre de obra e mestre também em me conquistar, me apaixonei e me entreguei sem medo ao meu Don Juan de S. Antônio de Jesus. Namoramos durante três anos e quando eu completei vinte e três anos nos casamos. Foi um casamento lindo, chorei do começo ao fim, era muito amor e desejo por uma pessoa só. Eu deseja aquele homem como eu nunca pensei que pudesse desejar alguém. Eu garanto que se o padre que celebrou o nosso casamento soubesse o que pensava naquele momento da celebração certamente ele (o padre) não celebraria a minha união com o meu Don Juan.
Casamos-nos e quando eu completei vinte e quatro anos ganhei a primeira personificação do nosso amor, um filho lindo e quando esse filho fez dois anos Deus me mandou outra criatura que seria o meu pé e as minhas mãos, uma filha que eu decidi chamá-la Erínia. Nisso já estavá-mos com três anos de casados. E quando Erínia completou seis meses resolvi batizá-la e decidi que faria uma grande festa. Meu amor chamou seus parentes, amigos e amigas e eu os meus. Foi uma festa linda, mas foi depois dessa festa que começou o meu grande infortúnio. Esses paradoxos da existência que me destrói, eu não agüento mais viver paradoxalmente a mim mesma.
A minha desgraça começou no batizado da minha única esperança em vida. Na verdade eu batizei a minha derrocada. Meu Don Juan com o charme que lhe era próprio se engraçou com uma jovem senhora dentro da nossa própria casa, foi arrebatado pelo amor dela e me deixou no dia seguinte.
Ele levantou, pediu a sua mala e que colocasse suas roupas na cama, eu ainda cansada da festa levantei e peguei sua mala, ao abrir o maleiro e tocar na mala algo me pareceu estranho, mas fiz o que ele mandou. Perguntei muito assustada, mas não querendo que ele notasse meu espanto: “Vai viajar?”
Ele me respondeu friamente: “Não, simplesmente acabou”.
Eu não pedi nenhuma explicação e nem ele quis me dar. Ele foi embora, e só deixou marcas muito profundas que nunca cicatrizaram. Na verdade ele me matou. Seria muito mais fácil pra mim se ele tivesse dado três tiros em meu peito, do que ter me dado aquele resposta com três palavras: “Não, simplesmente acabou”. Como eu viveria sem aquele homem que me mostrou o sentido da vida? Ele me completou e me fez querer viver. Antes eu ia de casa para o trabalho, cuidava de mamãe, tinha algumas amigas, mas não tinha ainda vivido, é isso, eu ainda não tinha vivido. O segredo está em viver. Quando ele certa vez me disse olhando nos meus olhos que queria passar a vida dele comigo, eu vivi plenamente o amor.
Ele foi embora e quando ele saiu Erínia que só tinha seis meses de vida chorou sem parar, era um choro agudo parecia que ela estava revoltada com o que estava acontecendo, ela gritava e chorava por mim, porque eu tinha vergonha até de chorar. Eu não tinha explicação para aquilo. Eu fiz tudo o que ele pediu. Eu me unir a ele, assim como eu unia as peças dos tecidos quando costurava.
Com a decepção que sofri na minha vida me calei e só vivia para o trabalho. Todos na rua me apontava. Paececia que foi eu que sair de casa e não quis mais continuar casada, eu era a culpada por minha vida conjugal não ter dado certo. Certamente eu não fui uma boa esposa, não sabia cozinhar, por exemplo. Não tenho outra explicação para toda aquela marginalização daquelas pessoas para comigo. Enquanto ele vivia desfrutando da vida sem gastos com os filhos eu trabalhava e criava sozinha os nosso filhos. Eu acredito que na ordem racional da coisa ela que deveria estar marginalizado, não por ter me abandonado, mas por não estar emocionalmente nem financeiramente presente nas vidas dos nossos filhos.
Eu tive muita dificuldade em criar as duas crianças e ter que trabalhar, pois o meu Don Juan não ajudava em nada na criação dos nossos filhos. Minha mãe ao ver a dificuldade que passava veio morar comigo e me ajudou tanto financeiramente quanto em ficar olhando o menino que estava com dois anos e Erínia que ainda só tinha seis meses. Eu saia para trabalhar e mamãe ficava com as crianças. Com a dificuldade que comecei a enfrentar além de trabalhar com a costura eu comecei a lavar roupas para fora. Minha vida se transformou totalmente.
Isso se passou os anos e quando Erínia fez dez anos mamãe faleceu.
Mas, antes dela falecer fez um pedido a Erínia que nunca ela esquecera. Mamãe estava muito doente e minha filha que tomava conta da enferma. Na tarde de uma sexta-feira ela piorou e as duas estavam em casa sozinhas quando ela começou a agonizar. Num delírio que beirava a loucura mamãe agarrou-a e fez aquela criança de dez anos jurar que para sempre iria ajudar sua mãe. Erínia chorando muito agarrou sua avó e disse que ela não iria falecer agora, pois era muito forte e eles precisavam da força dela.
O sol foi embora e as nuvens tomaram conta do ambiente. O vento começou ficar forte e a luz do quarto que elas estavam se apagou. Erínia pensou em correr para pedir ajuda, mas conscientizou-se que sua a segunda mãe não esperaria sua filha voltar do trabalho para beijar sua testa e perguntar como foi o dia. A criança guerreira e sofrida sabia que a partir daquela sexta-feira não dormiria mais com os beijos da sua avó e nem tomaria o café feito por ela. A única pessoa que deu auxilio a sua mãe desapareceria naquele momento, e as duas mulheres e aquela criança que se uniram para vencer todo aquele problema agora se resumiram na mãe que vivia para trabalhar e em Erínia.
Todavia, à avó de Erinia antes de morrer pediu para ela sempre ajudar sua mãe. Aos dez anos de idade foi feito o pedido por sua segunda mãe, e por isso antes dela pensar em respirar ela primeiro verificava se sua mãe respirou também. A sua vida além de qualquer coisa tinha que ter representada a sua mãe.
Minha segunda decepção, a minha companheira, a única pessoa que me ajudava. Com o decorrer do tempo Erínia começou cobrar de mim à ajuda do seu pai. Pois as coisas ficaram difíceis, a minha única ajuda tinha acabado de falecer. Mas, eu não tinha mais recursos para brigar com o pai das crianças na justiça, ele tinha mais dinheiro que eu, e preferiu pagar aos advogados a a pensão dos seus próprios filhos.
Minha filha ao perceber que seu pai estava agindo de má vontade começou a lutar pelo seu direito, e lutava com muita força, às vezes até demais. Certa vez na feira uma vizinha me mostrou a mulher que tinha tomado meu amor, Erínia ao ver a senhora começou a gritar e querer desmoralizar a senhora. Um erro dela, porque o sentimento que seu pai estava vivendo não tem explicação. O único erro dele foi não ter sido pai.
Minha filha só queria fazer justiça, e esse foi o meio que ela achou. Erínia queria a ordem natural da coisa. E o natural era ele ajudar na criação dos seus filhos.
A minha filha era incansável. Mesmo com o absurdo que seu pai fizera ela não desistiu. Num sábado que em nossa casa não tinha nada para eu e meus filhos almoçar, Erínia já tinha dezesseis anos e o menino dezoito. Eu não tinha como colocar o almoço naquele dia na mesa, minha filha vendo o nosso desespero saiu e foi até a casa do seu pai. Chegando lá, seu pai e a sua mulher estavam chegando do mercado. Erínia conversou com ele e disse que naquele dia sua mãe e seu irmão estavam passando por dificuldade, que ele não dava nada e que a sua família estava precisando da sua ajuda. A esposa do seu pai estava desarrumando as compras e disse em tom de troça que se a geladeira tivesse coisa velha até poderia pensar em dar, mas como não tinha estava difícil. O pai virou para filha e disse: “Você ouviu!”
A mãe ainda muito apaixonada ao ouvir aquilo ficou mais fria e desacreditada da vida. Sua vida passou a ser o trabalho e os seus filhos. Com o decorrer os filhos casaram e ela se viu só e com um fogo dentro do peito. Nos casamentos dos seus filhos outra decepção. A mãe exigiu que os filhos convidassem seu pai e isso eles fizeram. Todos a espera do Dom Juan e o tempo de tolerância para aguardar a sua presença no casamento tanto do seu filho quanto da sua filha foram de duas e três horas. Ele demorou mais que as noivas nos dois casamentos. O pai da noiva conseguiu atrasar mais que ela. Na verdade ele não foi.
O grande amor da costureira mais uma vez falhou com aquela mulher que não podia deixar de acreditar nele. O fato dessa esperança segurou ela em vida.
A costureira tinha ainda a chama da esperança da volta do seu amor. Ela tinha tanta esperança que guardava uma foto na carteira depois de vinte anos de separação. Ela viveu casada com o Don Juan na sua imaginação, para ela um dia ele iria voltar e eles recomeçariam tudo de novo. Mesmo com toda falta de caráter dele com sues filhos, ela nunca deixou de amar o sentido da sua vida. Ela viveu morta, mas com a esperança de reviver nem que fosse por um segundo para viver de novo aquele amor.