A chave no vaso – O amor é como a flor

“ACABOU! ESTOU SAINDO DE CASA. DEIXO A CÓPIA DAS CHAVES NO VASO DE VIOLETAS ROXAS.” Decorara cada palavra daquela fatídica mensagem daquele maldito celular. Se não tivessem inventado o tal aparelho móvel, talvez as pessoas sofressem menos. As notícias tristes demorariam mais para alcançar os ouvidos e olhos indefesos. A dor seria postergada. Talvez a dor nem precisasse existir. Talvez a decisão fosse adiada pelo olhar face a face ao anunciar o ACABOU.

Uma vertigem arremeteu-lhe para fora da cadeira. E antes que se transformasse numa tempestade de lágrimas correu para o banheiro.

_ Senhora Lúcia! Senhora Lúcia! Posso ajudá-la?

NÃO IVANOR ME DEIXE EM PAZ! Desejou gritar ao zelador do escritório. O trabalho é o último lugar para alguém sofrer à vontade. Pensou, abafando o choro. E quem o autorizou chamá-la de senhora? SEMPRE FUI SENHORITA IVANOR! Agora mais do que nunca.

_O seu Rui disse que caso não esteja bem eu posso levá-la para casa.

A senhorita Lúcia não está nada bem Ivanor. Respondeu, mentalmente, sentada no vaso. Há uma hora, esta senhorita extraviada entre as pilhas de utensílios neste minúsculo banheiro de corredor, recebeu de seu eficiente celular o comunicado de que algumas violetas roxas - moradoras de um dos vasos da soleira da janela da cozinha - foram incumbidas de guardar as chaves de uma porta lacrada para sempre. Os pensamentos assaltavam-na com a precisão de uma navalha. Limitou-se a responder:

_ Estou bem. Deve ter sido algo que comi. Posso dirigir até em casa.

...Sentada em frente ao volante desejou que o limpador do parabrisa resolvesse o problema dos motoristas desesperados e limpasse-lhes ritmicamente os olhos molhados. E no caso específico das chaves plantadas entre as violetas roxas, desejou um limpador que expurgasse nela a idéia de cegar-se das lágrimas ácidas, atirando-se ribanceira abaixo... Dando fim a toda dor.

Mas, foi o homem do semáforo que tentou livrar-lhe da amargura, no ínfimo espaço de tempo que a luz vermelha a obrigava a parar. Brincou a sua frente com os malabares, suspendendo-os no ar.A vendedora de flores ofereceu-lhe uma rosa e um sorriso de dentes maltratados.

Não podia sorrir para o malabarista nem se encantar com a dama das rosas. Afinal, era num vaso que encontraria a chave daquela aflição.

Droga de vida! Quando foi realmente que ela e Paulo se perderam? Quando iniciaram as brigas? Quando exatamente elas cessaram e deram lugar à distância, à indiferença? Quando foi que ela ignorou o anúncio do fim daquele ato? O epílogo de uma peça nascida do amor. Quando foi que ela esqueceu de lembrar que o amor morre, se não for regado? Quando acabou para Paulo? Quando ele conheceu aquela mulher? A jardineira competente que fez brotar nele um novo amor. Que já não era por ela. O sinal verde ordenava que seguisse.

... Em casa, imóvel em frente ao vaso de violetas roxas, conferiu o metal das chaves embutido na terra negra. A esperança morria ali. Tomou o vaso nas mãos e deixou-se cair sobre o mármore gelado. O fio das recordações sangrou- lhe num líquido salgado e transparente. Por quase uma hora permaneceu assim, regando as flores com a dor. Até que languidez tomou o lugar da consternação.Até perceber que as violetas estavam murchas e as folhas secas anunciavam o inevitável.

NÃO! NADA MAIS MORRERÁ EM MINHAS MÃOS! Desenterrou as chaves, girou a fechadura e foi direto para pia regar as violetas roxas. Fez o mesmo com as brancas,lilases e amarelas. Mexeu a terra, pôs o adubo, podou ... E, fez o juramento:

_ Dia a dia zelarei por vocês e por tudo mais que me for importante e, se mesmo assim, perecer for sua sina, não sofrerei tanto... Como sofro agora, a culpa de ter negligenciado um grande amor.

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Este texto faz parte do VI Desafio Recantista de 2009.

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Léia Batista
Enviado por Léia Batista em 19/05/2009
Reeditado em 19/05/2009
Código do texto: T1603551