o mendigo o policial e o poeta
O MENDIGO, O POLICIAL E O POETA
O mendigo dormia calmamente e roncava. Seu ronco atingia alguns decibéis estendido no banco da praça matriz.
As pessoas que chegavam para a missa aquela hora da manhã passavam por ele sem se incomodar, pois já estavam acostumadas, com o ronco ensurdecedor todas as manhãs, misturando-se ao harmonioso canto dos pássaros que graciosamente ocupavam a copa das árvores à noites para dormir.
Assim como os pássaros, o mendigo não incomodava ninguém. Os pássaros acordavam bem cedinho, com os primeiros raios de Sol e ficavam por ali alegres e saltitantes, enfeitando o ambiente, acrescentando um colorido especial aos canteiros com azaleias floridas. Alegremente pulavam de um canteiro a outro, ciscando e retirando dali o seu sustento diário.
O mendigo sujo, barbado e maltrapilho, cobria-se com jornais velhos enfeiando a praça com seu aspecto decadente. Ele gostava de dormir um pouco mais que os pássaros, até que o Sol aquecesse seu corpo completamente e aumentasse o trânsito de pessoas indo ou vindo, para pedir uns trocados aos transeuntes, pois era de onde tirava o seu sustento.
Todos os dias o guarda civil da prefeitura, responsável pela ordem na praça, chegava e conferia o seu local de trabalho. A boa ordem no local, garantia o seu emprego e vislumbrava uma aposentadoria, com salário integral. Seu desejo era de que, quando partisse desse mundo para sempre, deixasse uma boa pensão para dona Rosinha sua patroa.
Naquele dia especial ele chegou um pouco mais cedo que de costume e ao ver o mendigo ali dormindo tranqüilo como se estivesse em um colchão de espumas, começou a chutá-lo com a ponta da bota, sem violência, só para acordá-lo. O mendigo abriu um olho e ao reconhecer o policial que todos os dias vinha incomodá-lo, olhou no relógio da igreja e viu que não era nem oito horas da madrugada ainda, virou para o outro lado do banco e continuou seu sono.
Naquela manhã estava passando por ali um poeta, (que naquela noite havia perdido o sono, porque os poetas raramente acordam cedo), e começou a observar a cena. Ao ver o policial importunando o mendigo se aproximou e chegando bem perto dos dois levou o dedo indicador aos lábios e disse ao policial:
__Shiiiu!!! Deixe o pobre homem dormir. Enquanto estiver dormindo, estará sonhando com uma vida melhor.
O policial sem entender a intromissão do poeta argumentou:
_ É só um vagabundo doutor. Todo dia tenho que acordá-lo se não fica aí dormindo, como se estivesse em um hotel cinco estrelas.
_ Pobre homem – disse o poeta – se tivesse um lar, uma família, um emprego, não precisaria passar por isso. Enquanto dorme, não sente fome, faz desse banco duro seu colchão de espumas, faz desses jornais velhos seu cobertor, acho até que ele espera todos os dias você vir acordá-lo e faz dos seus insultos, palavras de carinho. Talvez essa seja a única maneira de quebrar a total solidão do seu dia.
Diante de um policial surpreso com palavras tão bonitas, vindas de um desconhecido o poeta continuou:
_Este homem, pobre homem, dorme ao relento, vive da caridade alheia, em total abandono. Enquanto dorme, não pensa na vida dura que leva, se desliga da sua triste realidade, talvez até seja feliz enquanto dorme. Para que acordá-lo, deixe-o em paz.
O policial abaixou a cabeça, coçou o bigodão bem aparado, ajeitou a calça que usava um pouco abaixo do queixo e se afastou pensativo.
Talvez o poeta tivesse razão, nunca tinha pensado dessa maneira.
Duas horas depois o mendigo acordou tranquilamente, sentou-se no banco e deu aquela espreguiçada. Olhou ao redor e não viu o chato do policial. Ao lado do banco tinha um copo de café com leite e pão com manteiga ainda crocante. Quem teria feito o mimo de levar o café da manhã na cama para ele? E feliz como um passarinho pensou:
_ E neste mundo, ainda tem gente que gosta de trabalhar!
Joana Aranha