DENTRO DA NOITE
No sítio do Tião, as noites eram sempre escuras. Não havia estrelas, nem lua, nem nuvem meio cinza mais claro. Os vizinhos não entendiam aquele vazio no céu tão negro, tão negro sobre o sítio do Tião.
O velho Tião, de mãos calejadas de tanto plantar bananas, olhava para o céu e ficava triste. Ficava sempre muito triste por não ver uma estrela sequer no céu, que cobria a noite no sítio.
Aos domingos ia a igrejinha, um pouco distante, e sempre pedia a algum santo ou santa que fizesse aparecer uma estrela no céu para iluminar sua casinha tão simples. E, mais uma vez, nenhuma estrela aparecia no céu. Era tudo negro de escuridão.
Tião acendia uma pequena fogueira e cantava alguma modinha triste. Não tinha mulher. Não tinha filhos. Não tinha ninguém. Apenas ele no mundo. Ele e as bananas que plantava. Nem mesmo um cachorro ou gato. Era sozinho e sem estrelas. Era sozinho e sem lua. Chorava baixinho entre uma palavra e outra da canção e olhava para o céu negro, negro, negro.
Fez promessa à nossa senhora. Se ela lhe desse uma estrela. Uma estrela apenas que iluminasse o seu céu, ele lhe daria o que de mais importante tivesse na vida. Ele só queria uma estrela.
Num dia de muita chuva, Tião estava cuidando das goteiras que pingavam o chão da casa, quando bateram à porta. Tião assustou. Ninguém aparecia por lá. Na verdade, todos os vizinhos tinham um pouco de medo dele e daquele lugar onde não havia lua nem estrelas no céu.
Abriu a porta com cautela. Do outro lado, encharcada pela água da chuva, uma mocinha tremia de frio. Era bonita, com os cabelos molhados lambendo seu rosto e pescoço. Os olhos brilhavam um castanho diferente de tudo. E a boca? Tião olhava para a boca da moça, rosa, carnuda e tremendo. Frio. Tião acordou do sonho momentâneo e fez a moça entrar. Ela agradeceu. Tremia de frio. Tião pegou uma coberta e colocou nos ombros da moça. Aparecida era seu nome. Os olhos de Tião não conseguiam desviar do rosto da moça. Serviu-lhe um pouco de comida e fez um café forte para que não engripasse.
Aparecida aqueceu o corpo, enrolado na manta, e comeu.
Os dias foram passando e Aparecida foi ficando no sítio. Ajudava Tião nos afazeres da casa enquanto ele cuidava das bananas. Viviam os dois ali. Ele já sorria. Não sabia, ou sabia demais, que estava apaixonado por Aparecida. Sim. Estava totalmente apaixonado pela moça e já não sabia viver sem ela. Aparecida era boa moça. Falava pouco, mas sorria muito. Um sorriso encantador.
Todas as noites ficavam perto da fogueira, cantando modinhas e contando causos.
Parecia que Tião rejuvenescia à cada dia. Era um homem feliz.
Pediu Aparecida em casamento. Ela, sorrindo, aceitou.
Casaram-se na igrejinha, sem convidados e sem padrinhos. Só o padre e Deus por testemunhas.
Tião já não lembrava das estrelas ou da lua. Seus pensamentos só tinham um nome: Aparecida. Era feliz como nunca havia sido em toda sua vida.
Algum tempo depois, Aparecida engravidou. Tião já se sentia um homem completo. Tinha esposa, a mais linda das esposas, e agora teria também um filho.
O parto foi difícil. Nenhuma parteira apareceu para ajudar. Tião não sabia o que fazer. Aparecida tinha dores, muitas dores e não conseguia parir. As horas
Passaram. A noite tomou conta de tudo. E na escuridão do sítio, sem lua ou estrelas, Aparecida morreu levando consigo o filho de Tião.
O velho homem chorava sem saber parar. Segurava a mão fria da esposa. Ela já não estava mais lá. Tião se sentiu desamparado. Injustiçado. Gritou. Gritou alto, tão alto que alguns vizinhos ouviram um algo muito parecido com o uivo de um cachorro abandonado.
Com os olhos embaçados de tantas lágrimas, Tião saiu da casa, sem rumo. Deu alguns passos. Parou e olhou para o céu. Sentia-se injustiçado. Rogava clemência.
De repente piscou. Sim. Piscou muitas vezes até conseguir limpar os olhos de tanta água. Olhava para o céu.
Caiu de joelhos.
No meio da escuridão da noite, sobre a cabeça de Tião, agora, brilhavam duas estrelas.