A história do pingo d´água Candé
Era uma vez um pingo d´água que queria ser outra coisa nessa vida. Ele via as folhas, as pedras, o musgo na encosta da montanha e não se conformava em ser um mísero e quase insignificante pingo d´água. O seu nome era Candé. Lembro que tinha dias em que ele ficava muito triste com essa situação, chegava a chorar até a hora de dormir, dava até pena. Ele achava que merecia representar outro papel nessa vida, mas era apenas um pingo d´água. Durante o inverno, ele se transformava em orvalho e tinha o privilégio de ver o Sol se espreguiçar, trazendo o dia dos confins dos mundos. E lá estava Candé, indignado como ele só, reclamando para quem estivesse por perto da sua situação. "Poderia ter nascido gota de suor, e assim poderia conhecer outras faces..." Foi quando aconteceu. Deus estava fazendo a sua ronda habitual, checando todas as coisas que tinha criado, quando foi surpreendido por uma vozinha fininha, quase um sussurro, vindo nem sabia de onde. Deus, então, pegou Candé nas mãos e indagou sobre o que estava acontecendo, se poderia ajudar de alguma forma. A gota d´água relatou, então, todo o seu infortúnio, que não se conformava com a sua situação, que tinha outros sonhos, outros direitos e possibilidades nessa vida. Deus, então, atendeu o seu desejo. E transformou Candé num grão de farinha de rosca. Mas não num grão qualquer. Era o grão que sempre apareceria no momento em que os homens fossem fazer uma massa de pão. Deus multiplicou o Candé por infinitas vezes, para que ele se tornasse necessário sempre que alguém fosse preparar um pão, qualquer pão. E isso valeria para todo o tempo, passado, presente e futuro. Valeria para todas as raças, povos e gentes desse mundo. Dessa forma, quando você der uma mordida num simples pedaço de pão na sua vida e ouvir, bem baixinho, uma gostosa gargalhada, não se assuste, nem tampouco pense que é um repente de loucura, ou alucinação. Porque lá terá alguém imensamente e infinitivamente feliz cumprindo o melhor papel na sua vida, com toda satisfação, gratidão e reconhecimento que couber num mísero, e insignificante, grão de farinha de rosca.