JOGO DE DAMAS

Espevitada, Lucélia apresentou-se a Prefácio:

– Sou Lucélia!...

– Prazer, Prefácio.

Belo passatempo! Um homem daqueles daria um belíssimo passatempo. Namorou-o com requinte, gratuitamente. Eis que, de assalto, vieram-lhe outras coisas à mente: tentou modernizá-lo.

Prefácio, um criado com avó, um panaca! Trinta e dois anos e sequer se dignou a morar longe dos pais. Jamais usou calças jeans, fumou maconha ou tentou ganhar alguns trocados. Usa abotoaduras!... Qual mulher teria coragem de namorar um homem que usa abotoaduras?! Lucélia teve. Queria-o homem, homem feito. E, namorou-o com requinte, gratuitamente. E, experimentou-o muito, demasiadamente. Fora a sua primeira mulher, orgulhosamente. Queria-o homem, e homem feito! E, por demais ser moderninha, apresentou-o a Letícia, sua irmã mais velha, tão ou mais careta que o Prefácio.

– Prazer, Letícia.

– Prazer, Prefácio.

Os óculos de tartaruga de Letícia combinavam muito bem com o cabelo brilhantinado do Prefácio. Lé com cré!... Quase virgens, certamente fariam um belo par de polvos na cama. Nem comentou com a irmã – por mais que irmã fosse – que o Prefácio tinha poucas milhas em posições sexuais. Queria-o tão mais homem que engoliu, a disfarçar, seu ciúme, sem regurgitar. E o Prefácio, cada vez mais homem feito.

– Belíssimo passatempo! – Letícia, a suspirar.

Quem mandou, Lucélia, deixar a própria irmã ser-lhe confidente?... E o Prefácio vestiu calças jeans, deu a fumar maconha, e até montou uma barraca de produtos artesanais na Praça Mauá. Enfim, quase um homem! Dia após dia, Letícia lhe detalhava o quão melhor Prefácio se tornava de cama. O gosto do ciúme é o do Campari: ora doce, ora amargo. Como revelar à própria irmã que o Prefácio era também seu passatempo?... Quem mandou, Lucélia, deixar a própria irmã ser-lhe confidente?

– Belíssimo passatempo! – Letícia, sempre a suspirar.

Deu-se a melódia: Letícia apaixonou-se terminantemente por Prefácio, e se modernizou a olhos vistos. Admitia até que Lucélia invadisse o seu quarto – lençóis usados e expostos – mesmo após uma ou outra requintada namorada com Prefácio. Que mudança a do Prefácio!... Sem abotoaduras, corte moderno, não mais empapuçava os cabelos com brilhantina.

Num desses dias, Letícia exagerou:

– Deita aqui, Lucélia!

Da cama, a abraçar qual um tamanduá Letícia, Prefácio nem se abalou. Naturalidade de nudista. Àquela altura do campeonato, até eu poria em dúvida se o Prefácio fora realmente um panaca. Lucélia aceitou. Deitou-se ao lado dos dois e quase na boca o beijou Foi por triz, pouco faltou.

– As abotoaduras!... Faltam-lhe abotoaduras! – Lucélia observou.

Impossível! Lucélia jamais voltaria a sentir atração por Prefácio; não faz seu tipo!... Namorou-o há muito, sabia. E, por ter certeza absoluta que Lucélia seria a última pessoa a sentir algo por Prefácio, exagerou mais ainda:

– Beije-o! – para a irmã.

Embora sem embaraços, Lucélia disfarçou:

– As abotoaduras lhe caem tão bem, Prefácio!... – também a suspirar.

Pior a emenda que o soneto. Incontinente, Prefácio beijou Lucélia à vista de Letícia. Para soldado mandado não há crime. Surpresa coletiva das irmãs. Prefácio, ex-panaca?... E, contrariando todos os princípios éticos e morais, elas o dividiram irmãmente, para todo o sempre.

Prefácio, hoje, usa abotoaduras.

Djalma Filho
Enviado por Djalma Filho em 04/05/2009
Reeditado em 01/09/2009
Código do texto: T1575622
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