UBÍQUO

Estranho, muito estranho apaixonar-se só por ouvir uma voz, apenas por causa da voz. Adelita apaixonou-se apenas por uma voz! Seu dono poderia se chamar Alfredo, José, Manoel, Jairo, ou coisa que o valha. Disse se chamar Custódio. Custódio!...

– Seu timbre? Igualzinho ao do Sinatra! – disse-o a Carmosina, uma boa amiga, que já àquela altura sabia-se preocupada por vê-la sempre grudada – porque não dizer dependente? – ao telefone.

– Tudo que é demais, vicia! – Carmosina, a imaginar o advir.

Poderia ser um desequilibrado, do tipo capaz de dar nó até em pingo d’água, um tarado, do tipo que não respeita nem a nudez da própria mãe, ou, até mesmo, um belo de um golpista – sim, pois ela era podre de rica. Havia me esquecido de lhes dizer no início desta narração que Adelita era estupidamente podre de rica.

– Tudo que é demais, vicia! – um leve puxão de orelhas de Carmosina.

Aí, uma surdez oportuníssima tomava conta de Adelita. Punha, então, a Carmosina de lado, para escanteio. E deixava de comer, e deixava de passear, deixava de ir aos bailes só para ficar ao telefone, a ouvir a voz de Custódio. E como ela a encantava! Nada anormal se logo tivessem marcado um encontro. Mas, ao invés de marcarem logo logo hora e lugar, como geralmente fazem os que por telefone flertam, o máximo que Adelita conseguia era pedir:

– Canta o My Way do Sinatra?!...

A voz do Custódio lhe dizia quando chorava, quando sorria, se estava de terno escuro, se estava de terno claro, quando romântico, quando prático, se havia mais cabelos por cortar, quando doce, quando amargo, se mais segredos a revelar. Decididamente, Adelita apaixonara-se pela voz que dizia-se de Custódio. Sequer reparou que ela desafinou My Way inteirinha!...

Eis senão quando, faltou-lhe a voz do Custódio – ou a do Alfredo, ou a do José, ou a do Manoel, ou a do Jairo; pouco importa –. Tentou encontrá-lo, mas, do outro lado: ocupado. Sem mais gancho amigo, discou à Carmosina e chorou, de uma só vez, todas as suas pitangas.

A grande vantagem de se escrever qualquer história na terceira pessoa, é, do autor, a onipresença. Nem Carmosina nem Adelita sabem, até hoje, por onde anda o Custódio. Eu sei! Como também sei que Custódio era Custódio, um rapaz de boa família, gente finíssima, mas dotado de uma timidez de fazer do Luis Fernando Veríssimo a mais despachada das criaturas.

E, aproveitando-me da minha ubiqüidade, antiético ao extremo, liguei pra Adelita – por saber que ela deixava a Vera Fischer no chinelo –, e lhe fiz voz de Sinatra, até cantei My Way!...

Apaixonamo-nos de cara. Logo, marcamos um primeiro encontro. Feito! Fulminante!... Hoje, estamos casados há mais de vinte anos.