Os indecentes

Visto que sentíamos um pouco de medo, a nossa atitude em chamarmos o padre de filho da puta, não foi nada má. Ela se fundamentou naquilo que vimos e, nos omitirmos em dirigir este termo a ele, seria uma falta de escrúpulos, para com todos, da gente. Então, nós o chamamos de filho da puta e não ficou só por aí. Ora! Ele achava que iria fazer aquilo tudo que fez e, nós, tendo acompanhado o que ele fizera, não iríamos fazer nada? Enganou-se redondamente. Pois fizemos e denegrimos perante todos a sua imagem de bom cardeal que presta assistência aos fracos, enchendo-os de bíblia, em todos os domingos.

Todos já lotavam a igreja, quando se ouviu os seus passos canalhas fazerem barulho no saguão de entrada que dava acesso ao interior do templo principal. Neste dia, não sei por que, resolvera vir à paróquia sem a batina de costume. Pôs um pouco da água benta que ficava num vasinho ornamentado com a cara de um santo nos dedos indicador e anelar da mão direita e passou-os na testa. Saudou a senhora que ficava na sala dos dízimos, lhe dando uma bênção e fazendo-lhe o sinal da cruz. A senhora não o respondeu a maneira, coisa que de certa forma o assustou um pouco por nunca ter feito coisa semelhante esta mesma mulher.

A partir daí, então, percebera que havia algo de errado. Realmente havia, mas ainda não sabia o que era.

- Olá, meus queridos fiéis! – falou isso à porta de acesso aonde se celebravam as missas. A princípio, todos evitaram as palavras e só o olhavam friccionados e de maneira indistinta. Assustado e meio sem saber o motivo pelo qual se motivara aquilo tudo, seguiu pelo corredor formado pelas cadeiras que se dispunham bem organizadas dentro da igreja, tendo sob os seus pés um tapete vermelho que findava na mesa de sacristia; e, por fim, alcançou o altar. Arrumou-se, mesmo que sem batina. Chegou ao ponto mais elevado da parte onde se celebravam os cultos, olhou por mais um momento as pessoas que estavam no templo, e mais uma vez disse – Olá, meus queridos fiéis! – Mantiveram-se em silêncio ainda todos. Estáticos, olhavam-no friamente e, mesmo sem saber diretamente o que era aquilo tudo, por ser devedor, começou a supor do que se tratava. – Olá, meus queridos fiéis. – Desta vez, mais fraco e sem o fulgor de antes.

Indignada, pronunciou-se, então, uma primeira pessoa, levantando-se do banco longo que se estendia horizontalmente pela igreja e que compunha uma seqüência de organização simétrica com os outros bancos da mesma forma dispostos. Pôs-se no corredor e tinha também, sob os pés, o tapete vermelho. Disse: – Ora, padre! Como pode nos chamar de seus queridos fiéis? Quem te dá este direito, bastardo?! – neste momento aproximou-se mais do altar e soergueu a mão direita apontando-a para o padre. – Perder o direito de celebrar, para você, é muito pouco, que se esconde por trás da máscara fajuta de um celibatário fraternal. Iremos te denunciar a polícia e esperamos que, tão logo, apodreça os seus dias na cadeia. Convém-nos que a sua saída da cidade, no caso de abstenção da polícia em querer te julgar, seja logo ajeitada. Esperamos com sinceridade que nunca mais os seus pés possam pisar nas nossas terras, e, esperamos também, que a catequese mor nos mande um padre que, acima de tudo, reconheça-se não só como um enviado de Deus para nos ensinar, mas que também honre os seus princípios enquanto homem, sabendo julgar e diferenciar de maneira racional e não puramente eclesiástica e dogmática os pontos que nos marcam. E que subtraia de si aquilo que não nos convir. Chega de conflitos! Buscamos e ansiamos somente a paz, recrescer os nossos espíritos de acordo com as necessidades de todos, suprimindo-as e não elevando-as, como ultimamente tem logrado em nos ensinar.

Tendo falado isso, retornou ao seu lugar e, conseguintemente, levantou-se outro fiel tomando cabo da palavra. Entretanto, o padre prontificou-se de tomar a palavra primeiro e, tendo o fiel iniciado a sua frase, foi obrigado a dirimi-la, já que a tonalidade de voz do pároco era muito maior e mais importante que a sua. – Pois sei do que se trata o porquê de tudo isso: falta de fé e de conhecimento dos ensinamentos divinos. Gostaria primeiro de saber o que é que eu fiz para me subjugarem e me destratarem de tal maneira! Saibam que me reconheço como homem, não diferente de vocês, que me julgam como não sendo. Entretanto, não posso esclarecer o que não sei. Como não sei do que vocês falam não me vejo no direito de esclarecer nada. Por favor, ponha em pauta o meu erro! Terei eu mesmo satisfação em explicar-lhes este possível ocorrido... Não podem me tratar com indiferença sem que se tenha um motivo cabível para isso.

Terminou com a sua palavra, olhou mais uma vez o terreno interno da igreja e, encarando todos com um olhar sério e penetrante, ouviu de nós o termo descrito no começo deste relato: - Filho da puta!

Estávamos chapados (embriagados) e, como não tínhamos nada o que fazer, arquitetamos essa brincadeira. Espalhamos, através de dona Clementina, conhecida por ter fama de boa faladeira, que o padre havia se relacionado com uma catequista. O vimos tratando a sós de algum assunto com ela; por um instante a caneta que o padre segurava caiu e a catequista abaixou-se para pegar. De cara, falei “Olha, a catequista está fazendo uma felação no padre!”. Todos começaram a rir e achamos que seria uma boa idéia espalharmos essa conversa pela cidade, desde que não se soubesse o nome da garota. Clementina fez praticamente todo o trabalho. Chamamo-lo de filho da puta e saímos correndo às pressas da igreja. Segundo o que me contaram, depois de termos saído o padre deu um discurso zangado aos fiéis que, tendo constatado a inocência do padre, pediram-lhe desculpas sem fim. Dona Clementina chorou por horas e disse que nunca mais falaria da vida de ninguém. Se assim se sucedeu, eu não sei, mas que ela falou, falou!

Jean Maldit
Enviado por Jean Maldit em 22/04/2009
Código do texto: T1554062
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