O Presidente Popular
José da Silva, um pacato cidadão brasileiro, comprou um carro novo. Saiu da concessionária todo radiante. Nuca havia comprado um carro zero quilômetro, apenas um carro usado. Usara o nome de um irmão que tinha renda fixa, para que o financiamento, de 90 meses, fosse aprovado.
Seu José era autônomo, vendia bonés, bermudas e camisetas de marcas: tudo falsificado, em feiras populares da cidade. Sua esposa, Dona Emília, complementava a renda da família vendendo produtos de beleza de porta em porta. Tinham duas filhas: Carla e Beatriz de 13 e 10 anos respectivamente, que estudavam na rede de ensino público.
O combustível estava na reserva e seu José parou num posto de gasolina para abastecer. Abasteceu 10 reais de combustível, era o que tinha de dinheiro no bolso. Saindo do posto foi parado por duas jovens que faziam uma pesquisa de opinião pública sobre o atual presidente da república. Após preencher um formulário com os dados do entrevistado, uma delas perguntou:
“Como o senhor avalia o governo do atual presidente da república: ruim, regular, bom ou ótimo?”
“Ótimo, respondeu José da Silva, esse presidente é muito bom pro povo. Tá vendo esse carro novinho: é meu. Acabei de comprar, se não fosse esse presidente eu nunca na minha vida teria conseguido comprar um carro zero. E não é só eu que tô comprando carro zero não, com as facilidades de pagamento e sem imposto, o povão tá conseguindo comprar o que precisa. Se você prestar atenção vai ver que as vendas de telefone celular, televisão de LCD e Playstation aumentaram bastante. O povo que tá comprando e movimentando a economia. Tudo graças ao nosso querido presidente. E no exterior, o tanto que ele tá importante, até o presidente dos Estados Unidos ficou elogiando ele. Nunca na história deste país existiu um presidente que faz tanto pelos pobres.
Seu José seguiu para casa. Parou num sinal vermelho, uma criança, com vestes esfarrapadas e sujas, se aproximou, pedindo:
“Tio, dá uma moeda pra comprá comida, que eu tô com fome”.
“Eu não tenho trocado agora, filho, fica pra próxima.
Em outros sinais, crianças vendiam balinhas, mulheres com crianças no colo pediam esmolas, outras vendiam panos-de-prato, homens vendiam água mineral, óculos escuros, frutas e ouras coisas na rua. Adolescentes cheiravam cola nas esquinas. Próximo de casa, atravessou a ponte sobre o córrego poluído que passa atrás de sua residência; crianças brincavam na água suja e fétida; canos que saiam dos quintais, despejavam o esgoto doméstico diretamente no canal do córrego. Ele chegou em casa buzinando e fazendo festa. Dona Emília apareceu junto com Carla, que não teve aula naquele dia porque os professores estavam em greve. Elas ficaram encantadas. Beatriz estava na cama com febre. Havia uma epidemia de dengue no país e ela contraiu a doença.
“Ô Zé, o remédio da Beatriz tá acabando, você vai ter que comprar mais”.
“Tá bom, depois da janta eu vou”.
José da Silva jantava enquanto assistia ao telejornal da noite: aumento das queimadas na Amazônia; deputados aliados do presidente são livrados de processo sobre desvio de dinheiro público, após manobra da bancada governista; traficantes disputam o domínio de uma favela no Rio de Janeiro; fazendeiros matam sem-terra no Pará. Notícias nada interessantes para José.
“Ô Zé, você tem dinheiro pra comprar o remédio da Beatriz?”, perguntou-lhe Emília.
“Não, querida, vou comprar no cartão”.
“Mas o cartão não tava bloqueado?”.
“Tava, mas ontem o paguei o valor mínimo e hoje já liberaram. Vou comprar agora se não eu perco a novela e a decisão do Big Brother”.
No caminho para a farmácia, uma menina de 12 anos oferecia seu pequeno corpo por algum dinheiro para os motoristas que por ali passavam, um carro importado parou e apanhou a garota. José seguiu seu trajeto. Estacionou o carro, entrou na farmácia, comprou o remédio e saiu. Quando abriu a porta do carro, dois garotos, bem vestidos, cercaram-no. Um deles estava armado com um revolver. Tomaram-lhe a carteira. Estava vazia.
“Cadê a grana?”, perguntou rispidamente o garoto desarmado.
“Eu não tenho dinheiro”, respondeu José.
O garoto que estava armado ficou furioso com a resposta e deu um tiro na cabeça de José. Os bandidos fugiram no carro dele. Venderiam-no num desmanche e com o dinheiro comprariam maconha suficiente para fumarem o mês inteiro.
Um funcionário da farmácia, que vira José sangrando na calçada, chamou o resgate.
José da Silva foi levado com vida para o hospital público da cidade. Deixaram-no numa maca no corredor do hospital. Estava superlotado, caótico. Ele ficou aguardando atendimento, junto com outros moribundos, inconsciente. José da Silva faleceu duas horas depois de ser abandonado no corredor do hospital sem conseguir sequer o olhar de uma enfermeira.
Enquanto isso um telejornal anunciava uma pesquisa que mostrava o aumento da popularidade do presidente da república.