A eternidade: o fim do amor
Na escrivaninha banhada apenas pelo luzir de uma vela a mão constantemente alvejada pelas lágrimas que despenhavam dos córregos dos olhos, a letra transtornada pelos espasmos do mesmo pranto, a folha que era antes adequada à mais satisfatória despedida não duraria mais cinco minutos naquele ritmo de ato choroso. Uma última carta antes do triunfo do juramento de amor eterno. Na alcova onde existiu um homem só havia agora uma casca, uma casca humana com vontade inexorável de morte.
Foi há dois dias, quando uma secreta e terrível enfermidade desterrou forçosamente sua musa da vida, que o homem se prontificou a seguir religiosamente o ritual nostálgico, sombrio e melancólico que o levaria - em sua concepção - ao reencontro com a figura que viva foi seu único motivo de ostentar os olhos abertos, e que, sem dúvidas, já nos braços da morte houve de ser sua vontade de abandonar o mundo. O amor sincero e ultrarromântico exige sacrifícios.
A metade do homem - que havia sido um dia a totalidade - escreveu as derradeiras linhas no umedecido papel, lacrou e largou a carta ao canto da escrivaninha. Dirigiu-se a uma gaveta no mesmo móvel, de onde retirou um pequeno frasco com um líquido esverdeado - um veneno mortal fantasiado de absinto - que bebeu até a última gota.
O chão do recinto amorteceu o tombo do corpo e esse foi o último ruído, a última ação, mesmo que involuntária, do aposento.
A carta foi encontrada bom tempo depois, bastante deteriorada; e revelou um desabafo irreprimível de um homem desesperadamente apaixonado que não sabia enfrentar o mundo sem seu amor. Quem pôde ler o documento relatou um dos trechos legíveis que, no entanto, era de sufuciente matéria para que se tivesse noção quase perfeita dos sentimentos do homem:
"...que meu julgamento sobre meu destino foi o mais acalentador. Não saberia mais sorrir, não saberia mais cantar, muito menos versejar. Não sou um terço do que era quando tinha ao meu lado meu sonho, minha apoteose, meu desejo de viver...".