Este conto é dividido em dez capítulos: 1 ao 9 e Epílogo.
Todos publicados.



Labirinto

  Capítulo 8




A greve dos controladores fechou o aeroporto. Paula e a amiga estavam no balcão da companhia aérea à procura de informações mais precisas no momento em que um homem atende ao celular. Aquela voz faz a biógrafa olhar em sua direção. O tom calmo parecia ignorar o caos do pequeno salão abafado. Paula observava atenta enquanto Regina, ao seu lado, indaga:

- Quem é o charmoso?

O sorriso mesclado à surpresa acompanhou a resposta:

- Você não vai acreditar, mas é sobre ele que escrevo.

- Então este é Antonio!

Paula sorria agora para o arquiteto que se aproximou após encerrar a ligação:

- Esse país é animador!

Paula apresentou a amiga e resumiu a situação:

- A greve vai continuar até amanhã. Teremos que passar a noite aqui, mas a companhia aérea indicou um lugar que não nos agrada.

Naquele momento, o celular de Antonio toca novamente e ele se afasta para atender. As amigas decidem pegar um táxi e se dirigem a um hotel com melhores acomodações.

Duas horas depois, no restaurante, as mulheres encontram novamente o arquiteto. Desta vez, ele sorri e diz:

- Cidade pequena.

A mesa, agora para três, estava completa. Regina e Antonio pareciam muito interessados em falar sobre arquitetura. Paula surpreendeu-se enciumada ao perceber os olhares que sua amiga lançava para o homem. A escritora assistia ao vivo o encantamento que ele provocava. Pensou no papel de observadora distanciada que exercia desde o primeiro capítulo daquela história. E uma idéia estranha e ao mesmo tempo, natural, surgiu em seu pensamento.

Regina, a princípio, não entendeu a urgência, mas no instante em que Antonio sai da mesa para servir-se no bufê de saladas, a escritora pede que ela a deixe com o arquiteto para resolverem questões sobre o livro. Uma chance única que precisaria ser aproveitada, afinal, Antonio era um homem muito ocupado.

Paula não saberia dizer se a amiga aceitou sua versão ou apenas, por simples cumplicidade, deixou a mesa antes que o arquiteto voltasse. E a explicação para ausência estava pronta:

- Regina precisou sair para atender uma ligação do marido e não deve retornar.

O arquiteto concluiu em tom divertido:

- Ela não vai perder muita coisa. A comida está horrível.

- Pelo menos, o vinho é bom.

Antonio ergueu a taça e disse como os romanos:

- No vinho a verdade!

As taças se tocaram com delicadeza. Paula lembrou-se de Catherine e da noite em que ela relatou o primeiro encontro com o arquiteto. Eles jantaram entre olhares, sorrisos e o clima era outro. A biógrafa gostaria de acreditar que a temperatura do seu corpo aumentava pelo vinho, mas haviam brindado à verdade. E a verdade era outra. Sentiu que iria corar.

A pergunta de Antonio foi direta:

- Em que está pensando?

Paula precisava ser ágil outra vez:

- No livro e no mestre em ocupação de espaços. Sua vida tem preenchido os espaços da minha nos últimos meses.

Ele não resistiu à brincadeira:

- Não costumo deixar nada vago.

- Me pergunto por quê? Parece uma necessidade, quase um compromisso, como se não pudesse haver um espaço sequer sem função ou vazio.

Antonio parou de sorrir. Estava diante de sua biógrafa. Se não fosse por isso, passaria pela vida sem nunca confessar. Serviu novamente o vinho para os dois e disse:

- Lembro daquela manhã todos os dias. Eu deveria ter doze anos. Era um garoto gordinho e sem graça. O trabalho de meu pai nos levou para outra cidade. Não conhecia ninguém e passamos a freqüentar um clube. O departamento esportivo estimulava os sócios da minha idade a socializarem formando equipes. Dois adolescentes, muito extrovertidos, eram os capitães que iriam escolher seus times. Imagine todos sentados à espera de serem escolhidos. No começo não foi tão difícil. Via os garotos e garotas levantarem diante da escolha dos líderes e formarem os dois grupos.

Paula antecipou-se:

- Você foi o último a ser escolhido.

O arquiteto a olhava com uma expressão indecifrável. Talvez alívio:

- Todos os espaços à minha volta estavam preenchidos pelos outros. 

À medida que as pessoas eram escolhidas e saíam o espaço ao meu redor se esvaziava até que apenas eu restei.

Ela não se conteve:

- Você e seus vazios.

O segundo brinde selou a resposta:

- No vinho, a verdade.

Paula e Antonio permaneceram um longo tempo em silêncio. E, ainda assim, era um diálogo sem som. Ela podia ouvi-lo. Ele não precisava mais ocultar-se. Seguiram lentamente em direção ao elevador. O arquiteto abriu a porta para que a mulher entrasse e perguntou:

- Em que andar você está?

A escritora, mais uma vez, lembrou-se de Catherine: "a verdade pode ser simples". E disse desta vez, sem corar:

- No seu.


Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 17/04/2009
Reeditado em 17/04/2009
Código do texto: T1543804
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