A COCAÍNA NOSSA DE CADA DIA.

Aos vinte dois formara-se em Administração pela USP. Aos vinte e seis já era um tubarão do mercado financeiro. O CARA, era seu codinome.

Ganhou rios de dinheiro. Comeu todo mundo que teve vontade e até quem não fazia seu tipo. Porém, queria mais, posto que tudo é sempre muito pouco para quem vive com mais do que precisa.

A vida era um parque de diversões e, ele o menino bonito e cruel, dono de todos os brinquedos.

Até que um dia, achando-se foda demais para adquirir qualquer vício, experimentou cocaína.

Ao aspirar o pó, teve uma sensação completamente diferente das descritas pelos usuários. Não sentiu-se o tal, o todo poderoso, pelo contrario achou-se um merda.

A cocaína lhe tirara do transe.

Percebeu que tudo estava fora de lugar na sua vida:

- O que estou fazendo comigo? Pra que ganhar tanto dinheiro se eu não tenho liberdade para gasta-lo?

Sem saber, Daniel, havia sido contaminado pela Peste Branca...Uma reação da cocaína na qual o cerebro passa a processar questionamentos.

Só há duas formas de livrar-se dela: abandonar o vício tendo que conviver com suas sequelas ou cheirar até morrer.

Daniel quase escolheu a morte.

Saiu do emprego e em menos de dois anos cheirou seu apartamento, o carro importado e uma Halley Davidson.

Só cheirava a da boa, aquela que não dá ressaca, nem provoca irritação nas fossas nasais. Cocaína pura com mais de quinhentos anos de tradição. Receita asteca, folhas colhidas antes do amanhecer e maceradas pelas mãos das crianças do norte da Bolívia.

Especiaria rara, trazida dentro potes de prata pelos jatinhos particulares da alta nobreza tupiniquim.

Um luxo paulistano!

Cheirar, mais do que um vício, era uma experiencia cultural, um refinamento burguês de alto nível.

Mas um belo dia percebeu que sua compulsão não era o resultado de uma pré-disposição genética como diziam os especialistas.

A cocaína era a resposta errada para perguntas honestas:

- Pra que serve viver? A quem serve a minha vida?

Estas perguntas que durante vinte poucos anos foram sendo soterradas pelos escombros das obrigações, brotaram com um vigor de jacarandá ao serem adubadas pela coca, mas não floresceram nem deram frutos.

Árvores tornadas estérias pela química do adubo, talvez.

A cocaína era um grito de revolta contra si mesmo. A manifestação de completo desprezo por uma existência que não fez outra coisa na vida senão preocupar-se com o futuro.

No entanto, estava na hora de abandonar a rebeldia e cuidar da vida. Aproveitá-la sem se preocupar muito com as regras.

Finalmente Daniel constatou que a cocaína era uma espécie de mãe dominadora. Ela proporcionava prazer, mas não o permitia sair de seu colo frio.

Abandoná-la, sem olhar pra trás é a única forma de crescer. É certo que sempre rolava uma saudade, quando a vida se tornava pesada, mas só os fracos voltam correndo ao colo da mamãe.

Os homens de verdade são seres sem família.

Apesar de estar ali, sentado dentro daquele labirinto de divisórias azuis fingindo que bloquearia os cartões de creditos dos clientes em troca do seu pão de cada dia, Daniel não maldizia seu destino.

Aonde, por acaso estaria se não tivesse sido acordado pela cocaína? Diretor de uma transnacional, dando sua vida em oblação em troca do respeito de quem o invejava?

Provavelmente já teria seu próprio helicóptero e nos finais de semana voaria para Maresias, onde ao invés de caminhar pela praia ouvindo o barulho suave das ondas , estaria ao redor de uma piscina com os outros zumbis gloriosos definindo metas para o futuro de uma empresa que não tem outro objetivo senão devorar tudo o que está ao seu redor...

Enfim a cocaína era o pó de pirlimpimpim que o tirou do vazio para coloca-lo na mediocridade...rsrsrsrs

Afinal neste mundo de muitas opções já não existem escolhas....