Quando a máscara cai
Quando a máscara cai
Antes de ir morar em Campinas, quando ainda trabalhava na redação de Revista Escola Política, em Brasília, Ana Sofia Evaldi viveu grandes experiências como profissional nesta revista. Mas foi como pessoa que ela pode saborear cada gostinho das situações vividas fora dali.
Um dia, Ana Sofia e uma amiga saíram com dois rapazes que elas conheceram numa das festas de encerramento de mais uma edição da revista. Convidados da editora-chefe, Vânia, eles compareciam em peso a todas as festividades.
Foram a um restaurante, lá beberam, comeram, conversaram e fizeram mil planos de viagens para os lugares mais diversos possíveis, como Cataratas do Iguaçu, Fernando de Noronha e até um cruzeiro pelo Atlântico Sul. O encontro do grupo foi tão positivo que pareciam se conhecer há muito tempo.
O Diego, um rapaz culto, de aproximadamente uns trinta e dois anos, não tinha nada em comum com Ana. Era totalmente passivo, controlador e sabia expressar-se tão bem que chegava a deixá-la impressionada. Já o Saul e a Liza, sua amiga, também pareciam dar-se muito bem, pois tinham grande afinidade um com o outro, além de terem os mesmos gostos pelas mesmas coisas.
Os dois eram assessores políticos de parlamentares do Congresso Nacional. Viviam “enchendo a bola” da Vânia, de quem eram amicíssimos. Por lá, ser amigo de jornalistas era sempre um “bom negócio”.
Depois de terem saboreado um delicioso jantar escolhido por eles, Liza quis ir ao banheiro e convidou Ana para acompanhá-la. As duas falaram o quanto estavam gostando da companhia de ambos e o quanto eles eram atenciosos. Elas estavam fascinadas por eles.
Passaram-se uns quinze minutos até retornarem ao salão do restaurante. As duas, andando a passos lentos, se aproximaram deles silenciosamente, sem que percebessem as presenças delas. O som estava alto, Diego, o mais falante, falava com tanta intensidade, sendo o que menos as percebeu. O assunto entre eles parecia estar sendo bastante interessante, pois ficaram as duas paradas ao lado deles escutando tudo. Foi então que deram-se conta do assunto e ficaram extremamente sem reação. Diego fazia uma proposta irrecusável a Saul. Ele o convidava para participar de um grande esquema, em que estavam sendo desviados cerca de 200 mil reais por mês, do programa Bolsa Família, do Governo Federal.
Liza trocou um breve olhar com Ana. O aspecto em seu rosto era de uma pessoa incrédula. O rapaz a quem elas tinham dado tanto prestígio, ainda há pouco, era um ladrão fantasiado de bom moço.
Quando eles as perceberam, tentaram disfarçar, mudar o papo, mas não era mais possível, ficou um clima tenso entre todos. O Saul foi o que mais se constrangeu, que aliás nem teve tempo de aceitar ou rejeitar aquela proposta tão tentadora.
Eles não tinham mais toda aquela disposição ou magnetismo de antes. Todos os planos de viagens ficaram no ar como o vento. Fazer o quê, se elas iriam desfrutar de um dinheiro fruto de uma corrupção que desviava dinheiro público? Dinheiro que enriquecia pessoas desonestas? Tudo bem, elas já ouviram falar da corrupção que brotou e cresceu em Brasília, afinal, as duas escreviam sobre os corruptos na Escola Política, mas conviver diretamente com isso, era terrível.
Depois de algum tempo sem diálogo entre eles, Liza tomou a iniciativa de quebrar o gelo. Começou a agir como antes. Ana Sofia continuou com a cara amarrada. Decepcionada. Nem olhava nos olhos dele. Logo agora que estava começando a se apaixonar por Diego.
A descontração não voltou a ser a mesma, mas eles se esforçaram para manter a boa relação de amigos. Depois de pedir a conta, Diego convidou-as para se retirar. Sem cerimônias, todos aceitaram. Não tinha como manter o fingimento de que estava tudo bem, por mais tempo.
Primeiro, levaram Liza até em casa. Em seguida, foi a vez de Ana Sofia. Quando desceu do carro, Ana nem teve coragem de olhar-lhe nos olhos.
Ele disse boa noite, Ana virou-se e sorriu. Aproximando-se, Diego segurou-lhe a mão. Ela assustou-se, fitou-o e ficou séria. Ele perguntou se ela estava com medo. Ana Sofia mentiu, respondendo que não. Em seguida, entrou. Diego foi embora, junto com Saul, que o estava esperando no carro.
No dia seguinte, quando chegou ao trabalho, Ana foi chamada à sala de Vânia. Ao entrar, ela viu que Liza também estava presente. Hesitou um pouco antes de prosseguir com os passos. Vânia a encarava fixamente. Pensou que talvez o seu emprego e o da amiga estivessem comprometidos, devido àqueles dois corruptos que lhes eram amigos íntimos.
Foi uma longa conversa entre as três. Vânia tentava convencê-las a todo custo sobre o mau caratismo de Diego e o suposto anexo de Saul. Cada palavra de defesa de Vânia era simplesmente inaceitável por Ana Sofia. Foi então que ela se irritou e quis argumentar falando o que pensava a respeito de tudo aquilo. Mas parou, quando Vânia disse que Diego estava sendo investigado pela Polícia Federal e que corria o risco de ser preso a qualquer momento por desvio de dinheiro público. No entanto, deu pra ver, no rosto dela, a expressão de que não queria que aquilo acontecesse a ele, mas Diego tinha de pagar por seus atos. Vânia então completou dizendo que seria Ana que escreveria tudo a respeito do caso, quando Diego fosse preso.
Liza a olhou tensa. Ana se levantou e foi para a redação totalmente confusa sem saber até em que pensar.
Mais tarde, na hora do almoço, Diego apareceu de surpresa, quando ela já ia fechar uma matéria, sobre o Palácio da Alvorada.
Sempre de sorriso nos lábios, ele a cumprimentou. Ele agiu como se nada estivesse acontecendo. Diego a convidou para almoçar com um sorriso nos lábios, que por um momento fez Ana Sofia esquecer tudo e aceitar de antemão. Mas foram os olhos dele que a fizeram recordar de cada palavra na noite anterior a respeito dos desvios. Entretanto, nalgum momento daquela amizade, os dois teriam que conversar e falar a respeito daquele assunto que a estava perturbando tanto.
Quando desceram para almoçar no restaurante da esquina, deram de cara com Vânia, que os cumprimentou com um sorriso falso e cínico.
Quando chegaram, Diego foi logo contando tudo para Ana, que ficou ouvindo tudo sem questioná-lo nem julgá-lo. Enquanto falava, o garçom se aproximou e lhes entregou o menu.
Diego, de bom moço, não tinha absolutamente nada. Mesmo assim, Ana tinha por ele uma admiração de grande dimensão; principalmente quando ele disse que iria devolver tudo que havia roubado até o último centavo. Então foi a vez de Ana falar. Ela comentou que nem assim Diego deixaria de ser investigado.
Ao falar isso, Ana provocou em Diego uma expressão preocupada. Ele mexeu-se na cadeira, incomodado, e perguntou como ela sabia daquilo. Foi então que Ana respondeu contando tudo que Vânia havia dito a ela e a Liza. Não deu pra esconder o olhar de decepção no rosto dele. Diego então começou a falar outra parte da história ainda mais profunda que a primeira, em que nela, se escondia outro culpado, que, na verdade, nada mais era que a editora-chefe, Vânia.
Ela descobrira tudo e ameaçava contar tudo na Revista se eles não pagassem a ela uma certa quantia para que ficasse calada. Diego falou também que num dos encontros com Vânia, na revista, em que conheceu Ana, mencionou que iria parar com os desvios. Vânia não aceitou, pois, afinal, ela deixaria de lucrar por sua descoberta, e acabou ameaçando-o mais ainda de contar a polícia o verdadeiro líder do esquema.
Foi assim que ele se intimidou e decidiu continuar até se livrar de Vânia.
Ana mais uma vez ficou perplexa com o que ouvia. Ela chegou à conclusão então de que afinal de contas Diego não era todo esse monstro que ela pensava que fosse. Até sentiu dó dele, pois ele estava bem encrencado.
Após o almoço, Ana Sofia voltou ao trabalho.
Um mês depois, ela, Diego, Saul e Liza foram passar um final de semana em Fernando de Noronha, desfrutando de cada momento naquele lindo paraíso.
Ainda em Pernambuco, Ana e Diego decidiram juntos enfrentar Vânia, porque se ela soubesse que outra jornalista sabia do esquema que envolvia, mesmo que indiretamente, a editora-chefe da Revista Escola Política, de grande circulação em Brasília, claro que ela se intimidaria e o deixaria livre para se regenerar.
Os dois chegaram juntos à conclusão de que quando Vânia soube que Diego havia se interessado por Ana e que até saíram juntos, então, ela decidiu desaproximar Ana dele contando tudo, mas Ana já sabia e não se deixou enveredar pelo que Vânia disse.
Quando retornaram de viagem, conversaram com Vânia, ela aceitou deixá-lo em paz, mas a partir de então Ana Sofia não trabalharia mais na Escola Política. Liza, ao saber disso, se demitiu.
Liza foi trabalhar num jornal, já Ana foi morar em Campinas com Diego. Saul continuou como assessor em Brasília.
Marciela Taylor ( Marciela Rodrigues dos Santos )
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Os textos aqui publicados, salvo indicação outra, são dedicados às amigas Juliana Lopes e Ângela Denise
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