A sequestrada
“Onde estou? Que faço aqui?”, refletiu ainda zonza de sono. “Sim! Agora me lembro: fui seqüestrada. Mas, por quê? Pegaram-me à força ontem à noite. Eu só queria algo para comer, tinha fome. Por que me aprisionar? Estou suja e fedendo, mas não fiz mal a ninguém. É pecado perambular pelas ruas, sem casa e sem destino?”
Lá fora caía uma chuva fina e persistente que formava poças d’água e um filete corria até sob o corpo dolorido dentro do cativeiro. “Não vejo porque colocaram-me neste barraco apertado, sem janelas e só com uma portinha. Que ironia! Um recinto que me impede de sair mas não impede que o vento e a chuva possam entrar. É só um pequeno telhado, com paredes toscas. E aqui cheira mal!” Nesse instante percebeu um monte de fezes no canto ao fundo, o que lhe deu a exata noção que outra vítima incauta já estivera por ali.
Tentou levantar-se e sair e foi quando percebeu que estava amarrada. “A intenção é não me deixar sair, mesmo! Esse nó em meu pescoço já está fazendo escoriações. Mas não está muito apertado, se eu forçar a cabeça para trás sou capaz de desfazer essa forca.”Lutou muito com o laço que a aprisionava até desvencilhar-se. “Pronto! Enfim, solta!”
Entretanto, ao levantar-se e tentando caminhar percebeu que sua perna, na altura da virilha, tinha um corte recente. “Acho que feri-me quando tentei fugir. Devo ter esbarrado em algo quando pulava os obstáculos no caminho. Sim! Foi isso! Foi quando caí e me agarraram. Ai! Isso dói!” Pôs-se de pé mas o corte era muito dolorido. Urinou-se de medo e o ferimento ardeu mais ainda.
“Estou tremendo. Será de frio ou será de medo? Deve ser um pouco de cada. Preciso colocar a cabeça no lugar se pretendo sair daqui. Ai! Esse corte está me matando!” Dominando a dor, colocou a cabeça para fora pela pequena porta e examinou o terreno: de um lado, um gramado, uma grande cerca muito alta e um enorme portão trancafiado a cadeados; de outro lado uma casa caiada um tanto modesta.
“Por este lado eu não conseguirei sair. A cerca é muito alta e duvido que eu consiga forçar aquele portão. Melhor investigar o outro lado dessa casa. Talvez haja algum meio de fuga por lá.” Manquitolando e com muito cuidado para não ser vista foi lentamente em direção até o outro lado do gramado, onde a rústica edificação terminava num estreito corredor.
“Outro portão! E esse é de ferro! Tudo trancado! Ah! Impossível.” A chuva apertara e agora ela estava totalmente encharcada. A perna doía cada vez mais. O medo só fazia potencializar a fome que sentia. “Essa dor no estômago será do medo ou da fome? Já não consigo diferenciar o que é físico e o que não é. Poderiam, ao menos, ter deixado alguma coisa para comer perto de onde me amarraram. Gente cruel deve ser essa que me capturou. Mas, o que será que querem de mim? Não tenho nada! Não sou ninguém! Que tipo de atrocidades irão fazer comigo...?”
Continuou contornando a casa até que avistou uma porta semi-aberta. Lá dentro, pessoas em volta de uma mesa dividiam uma simples mas farta refeição. O cheiro de algo que se preparava ao fogão era uma tortura a mais. “Ah! Que fome! Acho melhor me entregar e comer, talvez.” Mudou de idéia. Se quisessem que ela comesse teriam lhe deixado algo em seu cativeiro.
De repente, um homem levantou-se da mesa e dirigiu-se à porta. Com o coração batendo mais forte, mesmo mancando, ela correu em qualquer direção chegando a uma árvore perto do portão, atrás da qual, escondeu-se o quanto pode. Seu coração, então, quase explodia. O corpo trêmulo e encharcado escorria toda chuva que lhe cobria.
O homem chegou ao portão sob um grande guarda-chuva e abriu as trancas com uma chave enferrujada. Ao primeiro sinal de espaço suficiente, ela saltou de trás da árvore e, mancando de dor, arrastando a perna, pôs-se a correr. Correu muito, sem olhar para trás. Escorregou, levantou, caiu novamente. E correu; como pôde, correu!
O homem, ainda meio sem ação ao lado do portão, até fez menção de uma perseguição, porém desistiu, ao notar que não alcançaria a fugitiva. Enquanto isso, uma menininha saindo da casa gritava chorando:
– Papai! A cachorrinha fugiu! Pega ela! Pega ela!
Entretanto, já era tarde. Ao longe, a cadelinha molhada ia mancando em fuga.
“Onde estou? Que faço aqui?”, refletiu ainda zonza de sono. “Sim! Agora me lembro: fui seqüestrada. Mas, por quê? Pegaram-me à força ontem à noite. Eu só queria algo para comer, tinha fome. Por que me aprisionar? Estou suja e fedendo, mas não fiz mal a ninguém. É pecado perambular pelas ruas, sem casa e sem destino?”
Lá fora caía uma chuva fina e persistente que formava poças d’água e um filete corria até sob o corpo dolorido dentro do cativeiro. “Não vejo porque colocaram-me neste barraco apertado, sem janelas e só com uma portinha. Que ironia! Um recinto que me impede de sair mas não impede que o vento e a chuva possam entrar. É só um pequeno telhado, com paredes toscas. E aqui cheira mal!” Nesse instante percebeu um monte de fezes no canto ao fundo, o que lhe deu a exata noção que outra vítima incauta já estivera por ali.
Tentou levantar-se e sair e foi quando percebeu que estava amarrada. “A intenção é não me deixar sair, mesmo! Esse nó em meu pescoço já está fazendo escoriações. Mas não está muito apertado, se eu forçar a cabeça para trás sou capaz de desfazer essa forca.”Lutou muito com o laço que a aprisionava até desvencilhar-se. “Pronto! Enfim, solta!”
Entretanto, ao levantar-se e tentando caminhar percebeu que sua perna, na altura da virilha, tinha um corte recente. “Acho que feri-me quando tentei fugir. Devo ter esbarrado em algo quando pulava os obstáculos no caminho. Sim! Foi isso! Foi quando caí e me agarraram. Ai! Isso dói!” Pôs-se de pé mas o corte era muito dolorido. Urinou-se de medo e o ferimento ardeu mais ainda.
“Estou tremendo. Será de frio ou será de medo? Deve ser um pouco de cada. Preciso colocar a cabeça no lugar se pretendo sair daqui. Ai! Esse corte está me matando!” Dominando a dor, colocou a cabeça para fora pela pequena porta e examinou o terreno: de um lado, um gramado, uma grande cerca muito alta e um enorme portão trancafiado a cadeados; de outro lado uma casa caiada um tanto modesta.
“Por este lado eu não conseguirei sair. A cerca é muito alta e duvido que eu consiga forçar aquele portão. Melhor investigar o outro lado dessa casa. Talvez haja algum meio de fuga por lá.” Manquitolando e com muito cuidado para não ser vista foi lentamente em direção até o outro lado do gramado, onde a rústica edificação terminava num estreito corredor.
“Outro portão! E esse é de ferro! Tudo trancado! Ah! Impossível.” A chuva apertara e agora ela estava totalmente encharcada. A perna doía cada vez mais. O medo só fazia potencializar a fome que sentia. “Essa dor no estômago será do medo ou da fome? Já não consigo diferenciar o que é físico e o que não é. Poderiam, ao menos, ter deixado alguma coisa para comer perto de onde me amarraram. Gente cruel deve ser essa que me capturou. Mas, o que será que querem de mim? Não tenho nada! Não sou ninguém! Que tipo de atrocidades irão fazer comigo...?”
Continuou contornando a casa até que avistou uma porta semi-aberta. Lá dentro, pessoas em volta de uma mesa dividiam uma simples mas farta refeição. O cheiro de algo que se preparava ao fogão era uma tortura a mais. “Ah! Que fome! Acho melhor me entregar e comer, talvez.” Mudou de idéia. Se quisessem que ela comesse teriam lhe deixado algo em seu cativeiro.
De repente, um homem levantou-se da mesa e dirigiu-se à porta. Com o coração batendo mais forte, mesmo mancando, ela correu em qualquer direção chegando a uma árvore perto do portão, atrás da qual, escondeu-se o quanto pode. Seu coração, então, quase explodia. O corpo trêmulo e encharcado escorria toda chuva que lhe cobria.
O homem chegou ao portão sob um grande guarda-chuva e abriu as trancas com uma chave enferrujada. Ao primeiro sinal de espaço suficiente, ela saltou de trás da árvore e, mancando de dor, arrastando a perna, pôs-se a correr. Correu muito, sem olhar para trás. Escorregou, levantou, caiu novamente. E correu; como pôde, correu!
O homem, ainda meio sem ação ao lado do portão, até fez menção de uma perseguição, porém desistiu, ao notar que não alcançaria a fugitiva. Enquanto isso, uma menininha saindo da casa gritava chorando:
– Papai! A cachorrinha fugiu! Pega ela! Pega ela!
Entretanto, já era tarde. Ao longe, a cadelinha molhada ia mancando em fuga.