LÁGRIMAS, RIOS E OCEANOS
Vim de longe, cruzei as águas calmas da baía, águas mais tranqüilas que a minha alma atormentada. A dor física pode fazê-lo sangrar, mas aquela que lhe fere onde não se pode tocar, esta não possui remédio capaz de amenizar. Disseram-me que o tempo seria um bom companheiro, mas disso tenho minha dúvidas. Há tempos atravesso distâncias e alimento ilusões, exploro novas terras e busco explicações, ouço casos e fatos, tão ou mais inquietantes do que o meu.
Numa dessas terras, onde corações vagam desolados e esquecidos, pude perceber que a eternidade não é o limite quando se há pelo que esperar.
Até que ponto o amor impõe condições? Não sou capaz de precisar, pois essa resposta não me pertence, quisera eu dominar a lógica que pudesse aplacar o mal que me domina. Não, disso não sou capaz. Nem a pobre moça, cuja pele reluzia como o mais puro bronze, e a jovialidade lhe aflorava pelos poros, diziam que sempre que corria por essas areias, essas mesmas que meus pés tocam agora, não pensava em seu destino, nem traçava objetivos que não estivessem relacionados com o bem querer daqueles que lhe eram próximos.
Mas isto, eu lhe digo, não era do domínio da moça, o destino, claro, pois esse nos prega peças, cujo preço nem sempre estamos aptos a pagar, e quando estamos, pode vir a nos causar a dor pela qual eu, ela, e talvez você sofra e lamente.
O mar trouxe até ela, através dos grandes colossos que cruzavam as distâncias entre os mundos, aquele que tomaria para si, o coração, a alma, e o querer da jovem. E esta, como todos aqueles que são alcançados pelas flechas enfeitiçadas, dobrou seus joelhos perante a força maior, incontrolável e arrebatadora.
Sua alegria se multiplicara com a mesma velocidade com a qual as gotas da chuva encharcavam os finais de tarde no seu recanto cercado de águas. O verde que o castanho de seus olhos vislumbrava, não era tão exuberante quanto o gigantesco jardim que se expandira de forma tão farta em seu coração juvenil.
Momentos sem comparação, que ela guardaria por toda a vida, ao lado da felicidade de pele tão alva quanto ela jamais havia visto. Mas, como um sonho bom, sua razão de viver deixou os domínios de sua gente.
Ela não poderia acreditar que o gigante de asas abertas partiria através das grandes águas novamente, levando consigo, aquele que ela julgou que para sempre dividiria suas emoções, pensamentos, sonhos, certezas, realizações, aquele que seria para sempre dono do seu bem mais precioso, o sentimento que ela guardara sob a vigilância da mais brava fera, dentro do seu peito.
A tristeza era grande demais, a amargura sem tamanho, a dor era insuportável e eu a entendo. Tomada pelo ímpeto que só aqueles que amam possuem, a jovem deixou tudo para trás, sua terra, sua riqueza, sua família.
Seus braços, embora jovens e guerreiros, não possuíam a força necessária para acompanhar algo que vencia as marés com tamanha desenvoltura.
A pequena de pele como o bronze, viu sua vontade ser roubada por aquele que partia, e sua existência desaparecer no abraço salgado do Atlântico.
Ainda hoje, quando olho para o espelho d`água, tenho a impressão de ver seus braços erguidos, suplicando por algo que lhe fora negado.
O sofrimento não fora menor em quem ela deixou na terra, o companheiro de tantas andanças, por entre os mais diferentes lugares, não pôde verter as lágrimas que seu coração desejava, nem conseguira alguém para ouvir-lhe ou aconselhar-lhe, isto porque, embora fosse mais gente do que aqueles que têm a coragem de iludir e enganar, não era propriamente como nós, era selvagem em espírito e corpo, este, era pintado para garantir-lhe o sigilo na caça, sua delgada e sinuosa cauda lhe atribuía peculiar beleza, seus olhos de felino possuíam o mesmo tom que os de sua dona, aquela que não voltaria, mas que ele nunca se cansou de esperar.
Impávido, soberano e confiante, sobre a rocha com vista para a grande cortina azul, não temeria as luas, nem a incerteza que elas lhe guardavam.
Caminhando por entre as pedras desse chão, tive a impressão de sentir sua presença a esperar pela jovem, de certo seu sofrimento não é inferior ou superior ao meu. A (in) certeza é em nós dois uma só.
Avisto a grande gruta, por ela desce o véu que uma outra lembrança me diz ter surgido como fruto das lágrimas de um sentimento incompreendido. A moça, cujos olhos verteram a cascata, sofria com a mesma dor que partilhamos agora. Ao beber dessas lágrimas, o jovem cujo coração era desejado, finalmente pôde entender as condições que nem sempre se revelam tão claras, mesmo quando estamos com os olhos bem abertos.
De qualquer forma, este será o meu último porto, quisera eu ter resolvido as minhas incertezas e inseguranças, e pudesse ter o espírito tão desenvolvido quanto os flamboyants que se espalham até onde a minha vista alcança.
Daqui de cima posso avistar todo o contorno da terra da jovem que chorou um riacho em nome daquele que amava, posso beber de suas lágrimas para encontrar a resposta que tanto procuro, mas o único caminho que vislumbro são as águas mornas e os rochedos logo abaixo, talvez, a jovem que nadou até onde pôde, possa me fazer companhia.
* Esse conto foi livremente inspirado na Lenda "Gruta dos Amores", por sugestão da minha amiga e escritora Rosimeire de Sousa, a ela o meu muito obrigado.