ALÉM DO SONHO - PARTE II

Naquele instante, uma grande tesoura surgiu cortando aquela teia, que era sua única esperança de salvação. O egoísmo nos condena a uma infelicidade permanente.”

E por falar em egoísmo, ouça esta outra história:

“Era uma vez, um homem que nunca aprendeu a conviver com a sua pobreza. Senhor Egolino acordava cedo e se punha a lamentar:

_Pobre de mim! Por que tem que ser desta forma? Sou perfeito, sadio, a mim falta apenas o dinheiro para que me realize. Vejam só que injustiça: Sô Benival vive em sua cama doente, não pode nem viajar e tem dinheiro à burra. É, realmente, Deus só dá asas a quem não pode voar.

Movido cada vez mais pelos seus maus sentimentos, Egolino resolveu fazer um pacto com o demônio. Repetitivamente, ele o invocava até, que à meia-noite, o dito cujo veio a seu encontro.

Egolino ficou branco de medo. Movido pela ambição, resistiu a tal presença macabra.

_Olá, parceiro! Como vai? Com certeza, nesta miséria em que se encontra, deve estar muito mal. Chegue mais, meu camaradinha, vamos traçar um plano endinheirado para você. Imagine, muita grana, diversão, carros e tudo aquilo em que sempre sonhou. Não é o máximo? É tão fácil conseguir! É só colocar o seu nome no contrato e, todos os seus sonhos se realizarão. A proposta é a seguinte: Todas as manhãs, ser-lhe-á entregue uma pasta contendo uma boa quantia em dinheiro. A única condição imposta é que gaste toda a grana até a meia-noite de cada dia. O dia em que você não conseguir gastar, eu virei buscá-lo. Certo? Vá firme, cara, é mole! Assine aqui e o mundo cairá a seus pés.

Senhor Egolino, surpreso, frente a frente com o seu sonho, pensou:

‘_Gastar dinheiro é o que sempre almejei. Isso é moleza!’

Pegou o papel, ainda meio trêmulo, mas feliz, e assinou seu nome no contrato.

Na manhã seguinte, começou a se lembrar daquele encontro sinistro. Teria sido real ou apenas mais uma de suas imaginações doentias? Quando olhou para seu criado mudo, ali estava uma pasta. Levantou-se depressa. Ao abri-la, quase desmaiou. Realmente não era um sonho, ali estava uma vultosa quantia de dinheiro.

Cantarolando teve pressa em sair. Ele sabia que o trato era gastar todo o dinheiro. Comprou muitas amizades, usou de todas as futilidades, farras e bebedeira, numa vida desenfreada.

Anos a fio, nosso artista conseguiu cumprir o contrato com o proprietário do inferno. Até que, um dia, cansado e sem nenhuma pretensão, ficou planejando como faria para gastar aquele dinheiro.

Resolveu sair e, quando passava sobre uma ponte jogou a pasta dentro do rio e foi-se dali tranqüilo pois se livrara daquele peso.

Voltou para casa, queria tirar um cochilo. Despertou com alguém batendo em sua porta. Ao abrir, deparou-se com um pescador que veio devolver a pasta de dinheiro que havia caído no rio. Agradecendo ao honesto pescador, jogou a pasta num canto, deitou esperando que o chifrudo viesse buscá-lo. À meia-noite, o demônio chegou e perguntou:

_Como é, não conseguiu gastar o cacau?

_Não, respondeu desanimado o pobre egoísta rico.

_Me acompanhe, vamos subir naquele monte.

Ao chegar ao topo, o chifrudo pediu ao seu protegido que olhasse para baixo. Qual foi a sua surpresa ao enxergar tanta miséria. As pessoas morriam com o frio e a fome. O demônio mostrava tudo e repetia:

_Sua condenação não tem nada a ver com o dinheiro. O que nos condena ao inferno é o nosso próprio egoísmo. Se você tivesse doado aos pobres teria facilidade em gastar e ainda salvaria a sua miserável alma. Para pessoas como você, resta apenas uma vida vazia desprovida de qualquer tipo de sentimento.”

_Messias, a cada dia, é depositada em nossas contas uma mala cheia de bondade para repartirmos com os nossos irmãos. Se não repartirmos com amor, estaremos sujeitos a receber a maleta do mal. Só nós podemos decidir o caminho a seguir.

_Sabe, Senhor Tempo, em minhas andanças, eu também aprendi algumas histórias, será que eu poderia contar uma para vocês?

_É claro, Messias, se eu não fosse um bom ouvinte e gostasse tanto de aprender, jamais teria me transformado em contador de histórias.

_“Há muitos anos, existia um reino onde a intriga e a inveja aniquilavam seus habitantes. O Rei, por sua vez, estava velho e sem forças para pôr fim àquela situação. Então, pediu a seus súditos que procurassem em todo o seu reino, alguém honesto e corajoso.

Depois de muito procurarem, trouxeram a sua presença um jovem. Ele era talentoso e honrado e seu nome era Cadin. Em pouco tempo, ele começou a colocar as coisas, nos seus devidos lugares. Primeiro, acabou com a corrupção e com o protecionismo. Todas as noites, antes de dormir, orava e pedia a Deus sabedoria para enfrentar os problemas do dia a dia.

O Rei gostava muito de Cadin. Ele o via como o filho que nunca tivera. Os Ministros do Rei não estavam satisfeitos com a situação em que se encontravam, devido às medidas adotadas pelo jovem impetuoso. Começaram, então, a arquitetar um plano que eliminasse de vez aquela ameaça. Descobriram que, em suas antigas leis, estava escrito e aprovado que, todos aqueles que dessem esmolas, sem autorização de sua majestade, o Rei, deveriam ser enforcados.

Levados pela maldade de seus corações, pagaram a uma senhora que, com uma criança no colo, implorava por uma ajuda, alegando que a criança morria de fome.

Cadin, com seu bom coração, não pensou duas vezes, ajudando aquela pobre mãe aflita.

Os Ministros levaram aquela mulher à presença do Rei, exigindo que se fizesse valer a lei.

O Rei ficou muito triste, ele mesmo desconhecia a lei, a qual mandou derrubar, após o desfecho da situação. O Rei pediu, então, que esperassem até no outro dia, para que ele desse o veredicto. Sabia muito bem que a palavra de Rei não podia voltar atrás: o recurso seria condená-lo à morte.

A noite toda pensou e orou, pedindo a Deus sabedoria. No dia seguinte, o Rei veio até seus súditos, acompanhado por Cadin. Ele proferiu a sentença porque todos esperavam ansiosos:

_Declaro, meu servo Cadin culpado e, como a lei manda, ele será executado por enforcamento. Eu ordeno que se cumpra a lei.

Os Ministros pularam de alegria, a execução tiraria aquele intruso que os importunava tanto com sua mania de honestidade.

_Entretanto - continuou o rei - por bons serviços prestados à coroa e à sua lealdade, darei a Cadin o direito de escolher a árvore de seu gosto, para que seja executado.

E terminou dizendo:

_Palavra de Rei não volta atrás.

Conta a história que Cadin morreu de velho, pois jamais encontrou a árvore que servisse a seu propósito.

Na verdade, ninguém pode condenar alguém por ter boas iniciativas.”

_Gostei muito de sua história, Messias. Na verdade, ela demonstra sabedoria. Historiar é plantar sabedoria. Por falar em sabedoria, contarei a vocês mais uma.

“Era uma vez, um jovem inteligente que saiu pelo mundo testando a sua sabedoria. Andou muito, não levava consigo nem dinheiro e nem ouro. Teria que sobreviver apenas com sua inteligência.

Exausto e faminto, chegou a uma fazenda. O fazendeiro, um homem rude, veio até a porteira do curral para recebê-lo.

_Bom dia, amigo!

_Bom dia. Em que posso ajudá-lo?

_Senhor, estou andando há tempos. Confesso que estou bastante cansado e com fome. Talvez o senhor possa dar-me comida e abrigo só por hoje.

_Meu rapaz, infelizmente, você se enganou, aqui não é nem restaurante, nem hotel.

_Senhor, perdoe-me a insistência, é que eu estou com uma fome enorme e talvez o senhor pudesse emprestar-me um cantinho de seu curral, só para eu fazer a minha sopinha de pedras.

_Sopa de pedras? -respondeu o fazendeiro intrigado.

_É uma sopa de pedras, o senhor nunca viu?

_Claro que não, isto é besteira! Não se faz sopa com pedras.

_O senhor não tem nada a perder. Deixe que eu use um cantinho do seu curral e verá a mais gostosa sopa de pedras do mundo.

O fazendeiro, levado pela curiosidade, permitiu ao nosso protagonista fazer a impossível sopa de pedras. O rapaz tirou de sua sacola uma lata de mais ou menos dois litros, pegou duas pedrinhas brancas, colocou água na lata e jogou as pedrinhas lá dentro. Colocou, também, três pedras, improvisando uma trempe, onde acendeu o fogo e sentou-se ao lado, à espera. O fazendeiro cada vez mais curioso, perguntava:

_Será que você está doido? Eu jamais vi alguém fazer sopa de pedras.

_Espere e verá.

A água fervia, fazendo as pedras movimentarem-se de todas as formas.

_Meu amigo, esta sopa é uma verdadeira delícia mas, ficaria melhor se eu tivesse um pouquinho de fubá para acrescentar.

_Por isso não,- respondeu o fazendeiro- eu busco o fubá para você.

_Meu amigo, eu não quero lhe dar trabalho, você já fez muito me emprestando o lugar para eu fazer a minha sopa.

O fazendeiro, em pouco tempo, estava de volta trazendo o fubá e um pouco de sal.

_Muito obrigado, amigo, tenho certeza de que a sopa ficará deliciosa!

Algum tempo depois, o jovem comentou outra vez com o fazendeiro:

_Sabe, senhor,uma certa ocasião, tomei uma sopa de pedras que a minha mãe preparou, que jamais consegui esquecer. Tenho certeza de que nem os reis, com toda a sua riqueza, conseguiram comer algo tão saboroso. Acho que minha mãe misturou cheiro verde, pimenta, bacon, lingüiça e até mesmo folhas de couve. Certamente, nem o senhor comeu tal maravilha.

_Ora, rapaz, por que não disse antes? Eu tenho todos esses ingredientes aqui.

E, meio que sem pensar, correu até sua casa e trouxe tudo o que o rapaz havia sugerido. O nosso personagem, agora satisfeito, acabou de preparar sua sopa. Retirou as pedrinhas, guardou-as em sua sacola. Em seguida, serviu ao seu anfitrião.

Depois de comer, elogiou a comida. Ao perceber que, inteligentemente, aquele jovem havia conseguido, com astúcia, o almoço almejado, ele o reverenciou e, por fim, lhe disse:

_Meu filho, a sua inteligência superou o meu egoísmo. Se você quiser trabalhar aqui, eu farei de você um verdadeiro filho.”

_Esta história vem provar que podemos derrotar a avareza, o egoísmo, com a simplicidade da sabedoria. Espero, meu amigo Messias, que faça do seu dia a dia sempre uma sopinha de pedras, ajuntando as qualidades que, certamente, resultarão em sabedoria. Falando em sabedoria, veja só como uma senhora retribuiu um presente insultuoso, por um outro digno e belo, veja a ousadia de uma sábia:

“Era uma vez, uma senhora rica que conseguiu a sua fortuna de maneira não muito convencional. Sua beleza era de fazer inveja, tornando-a muito famosa. Causou, com isso, a ira entre as senhoras da sociedade do lugar. Movidas pelos ciúmes, reuniam-se sempre para traçar planos que demonstrassem àquela jovem os seus repúdios e o quanto ela era indesejada.

Certo dia, uma daquelas senhoras, com todo o rancor de seu coração, teve uma idéia:

_Vamos mandar um presente para ela?

_Como? -retrucou a outra. Presente se dá, quando a pessoa merece, mas aquela, merece sair da cidade rastejando. Esta é uma idéia que não tem a minha aprovação.

_Calma, amiga! Existem muitas formas de presente. O dela certamente será tal dona, tal presente.

_Você está sugerindo uma comida envenenada?

_Não, amiga! Eu já confeccionei o dito cujo. Olhe aqui nesta caixa.

Abriu a tampa e mostrou às suas companheiras, obtendo aprovação imediata e geral.

E assim, embrulharam o presente em sedas, adornaram com uma fita finíssima. Chamaram Camilo, um escravo fiel e disseram-lhe que levasse a encomenda à casa daquela senhora. Ainda recomendando:

_Entregue e espere a resposta.- disseram as senhoras.

Camilo inocentemente pegou o embrulho, arrojou-o ao peito, e lá se foi a cumprir a sua incumbência. Ele chegou à porta da casa e bateu, ao que não demorou a ser atendido.

_Bom dia, Senhora!

_Bom dia.

_Minha patroa pediu para eu lhe entregar este presente e disse, também, que esperasse a sua resposta.

A bela jovem pegou aquele presente já meio desconfiada, pois ela sabia muito bem dos sentimentos daquelas senhoras. Pôs o presente sobre a mesa, desembrulhando-o com um certo receio. Ao abrir a caixa, sentiu um mau cheiro tremendo. Quando olhou o presente viu que se tratava de fezes humanas. Fechou o embrulho com naturalidade e pediu a Camilo que aguardasse um pouquinho. Foi até o quintal, pegou o seu mais lindo vaso de orquídeas, entregou para Camilo, juntamente a um bilhete com os seguintes dizeres: ‘Cada um dá o que tem!’”

_Devemos doar o melhor de nós, a inveja poderá determinar o nosso real tamanho.

_Vovô Tempo, o que é prudência?

_Tiquinho, esta é uma boa pergunta! Essa tal de prudência é um alarme que usam as pessoas sensatas. É ela que, com certeza, faz a diferença. Milhares de problemas, grandes ou pequenos, poderiam ser evitados, se as pessoas a usassem. Contarei para vocês uma história de alguém que, por comodismo ou, talvez, acreditando na própria sorte, desafiava essa tal prudência:

“Era uma vez um senhor que tinha como obrigação levar o leite da fazenda onde trabalhava para a fábrica de laticínios da cidade.

Todas as manhãs, arreava o seu cavalo, pendurava as latas de leite, uma de cada lado, subia em sua montaria e, cantarolando, partia feliz rumo à cidade. Subia e descia ladeiras, sem nunca se preocupar com as adversidades do dia a dia. Num determinado ponto da estrada, nosso amiguinho era obrigado a passar por debaixo de uma grande árvore. No entanto, havia um galho pontiagudo que ameaçava ferir-lhe o rosto sempre que chegava à à àquele local.

Seu Prudêncio, como era conhecido este nosso personagem, tinha por costume, ao chegar naquele ponto, abaixar-se e com uma bela gargalhada, dizia:

_ Este pau ainda me fura o olho.

Nosso amigo se vangloriava ao vencer, a cada dia, aquela simples ponta de pau. Anos a fio, Prudêncio desafiou seu oponente que o ignorava cumprindo ali o seu único papel de galho.

Numa manhã chuvosa, as coisas atrasaram lá na fazenda. Prudêncio foi obrigado a agilizar os seus afazeres. Preocupado com o pouco tempo que lhe havia restado para chegar à cidade, saiu apressadamente. Quando chegou debaixo da tal árvore, esqueceu por completo de seu fantasioso oponente diário. Foi seu erro fatal.

Seu olho foi de encontro àquele galho, que o furou impiedosamente. Prudêncio não sorriu desta vez, mas teceu o já previsto comentário:

_Eu não falei que um dia este pau furaria meu olho?”

_Tiquinho, qual seria a atitude prudente do nosso amigo?

_Vovô, este homem foi muito ignorante. Ao invés de desafiar o perigo, ele deveria mudar o seu caminho.

_Seria uma boa opção mas o certo mesmo, seria ele cortar o galho, eliminando o perigo iminente e, assim, se preservaria de um acidente estúpido e evitaria que outros transeuntes desavisados viessem a ter a mesma sorte. Messias, ser sábio não é necessariamente, guardarmos todas as histórias. Devemos viver apenas as suas essências. Quando você pensar ‘não tenho sorte’, lembre-se de que sorte é uma palavra mágica que vem felicitar os incrédulos. No começo de nossas vidas, éramos milhões de minúsculas criaturas, numa corrida desenfreada para alcançar o óvulo. Na verdade, não tivemos sorte, fomos escolhidos graças ao Grande Pai, para que desenvolvêssemos os nossos papéis que são individuais e únicos. Sorte e acaso são as coisas que Deus faz e não assina seu nome embaixo. Suas obras, na maioria das vezes, são anônimas. “Nada no mundo acontece por acaso.” A realidade, é que somos filhos de Deus.

_Senhor Tempo, por acaso, conhece a dona Caca? _Mas e claro, Caca e eu vivemos de mãos dadas. Caca e a Esperança. O Tempo traz a Esperança, e a Esperança suaviza o Tempo, pode se dizer que existiremos lado a lado para todo o sempre.

_Amigo Tempo, o dever me chama! O espaço que temos para aprender é pouco e o tempo de semear o que aprendemos ainda é menor. Adeus, amigos!

Ganhando um sorriso bonito de cada um dos amigos, voltei para a estrada.

Capítulo 9

“Para aprisionar os maus sentimentos,

é necessário colocar os bons

como guardiões”

Entrando outra vez na mata, avistei, ao longe, uma pequena construção. Movido por uma força maior e caminhando sempre em frente, descobri que aquele pequeno prédio era uma cadeia. Cheguei à porta, dei uma olhadela em seu interior e vi que ali se encontrava um casal de detentos.

_Bom dia, amigos!

_Muito bom dia!

_Mesmo não sendo de minha conta, por que vocês estão aí?

_Ah, meu rapaz, eu só estou aqui, por causa dele. –respondeu a moça.

_Por causa dele?

_É! Mas eu também tive minha culpa.

_E você, meu amigo, o que o levou à prisão?

_Foi ela! Ou melhor, foi por ela. Às vezes, para conquistar esta garota, tenho que vir parar numa prisão.

_Agora é que eu vou entrar em parafuso. Que relacionamento esquisito? Como pode valer a pena vir parar em uma cadeia, por amor?

_Não, isto não tem nada a ver com amor! Nós dois dependemos um do outro.

_Na verdade, eu dependo dele.

_É mesmo! Mas, para sair daqui, eu preciso dela.

_Agora é que ficou difícil de eu entender.

_Não é tão difícil de entender, quer ver?

Os dois deram-se as mãos e, num passe de mágica, atravessaram as grades, como dois fantasmas.

_Eu, desde que comecei minha caminhada, já vi coisas do arco da velha, mas posso lhes garantir que uma magia dessas, só em sonhos.

_Agora, você começa a nos entender. Para que comecemos a existir, é necessário pequenos ou grandes sonhos, o tamanho não importa.

_Vocês, na verdade, não existem?

_Messias, o mundo deixaria de ser mundo, se não fôssemos reais; verdadeiramente tudo no mundo, começa com a gente. Vamos de mãos dadas voar, como num sonho.

Em pouco tempo, chegamos em meio a uma batalha sangrenta. Paramos em um canto e observamos a violência da luta. Perguntei ao casal:

_O que temos a ver com tudo isso?

_Nada e tudo! Somos o princípio, o meio e o fim. Vamos até a casa de Dona Paz, ela vai nos esclarecer o porquê, apelaram para que ela intermediasse esta questão.

Chegamos à casa de Dona Paz, ela estava vermelha como a larva de um vulcão.

_Dona Paz, por que a senhora está tão brava, o que a enfureceu tanto?

_Messias, só uma coisa me enfurece. São os falsos ideais, eles me usam com tanto desamor, matando, ultrajando, caluniando e, o pior, escravizando e destruindo a auto-estima dos povos. Ainda bem que vocês chegaram, eu já havia mandado um mensageiro para chamá-los.

_Mas, o que podemos fazer?

_Você, Messias, por enquanto, não pode fazer nada. Este trabalho é para este casal de amigos. De início, para ele, em seguida, ela completará. Posso contar com vocês como sempre, não é?

_É claro! Primeiro precisa expulsar as Donas Ignorância e Ambição. Depois de derrotar esses falsos sentimentos, eu entrarei em ação.

Em pouco tempo, Dona Paz foi e voltou, embora bastante cansada, estava calma e feliz, pois havia expulsado aquelas que causaram tanta destruição.

_Agora amigo, é a sua vez!

No mesmo instante, ele se lançou ao campo de batalha e, de mansinho, penetrou na caixinha de sentimentos, mudando os ideais daqueles brigões, retornando feliz por realizar sua missão.

_Agora, amiga, é você.

Rapidamente, ela se fez um vento suave e soprou no coração de cada guerreiro, transformando-os em seres completamente livres.

Confesso que fiquei confuso. Perguntei, então:

_Amigos, quem venceu?

Disseram os três ao mesmo tempo:

_Ninguém! Apenas o bom senso!

_Como pode ser isso?

_Messias, eu disse a você, quando chegamos, que éramos princípio, meio e fim. Vou lhe contar nossas vidas. “Quando fomos criados, junto à humanidade, nosso objetivo era tornar o homem o melhor possível e, com certeza, foi feito. Um belo dia, conversando com minha eterna companheira, começamos a questionar: ‘Será que estaríamos agindo corretamente, usando o ser humano, ao invés de sermos usados por ele?’ Criou-se ali um incômodo impasse; se tudo estivesse em nossas mãos, seria uma descaracterização de nossas funções. Na verdade, sabíamos dos riscos que corria a humanidade mas só os homens deveriam escolher os seus sentimentos. Assim foi feito. Porém, passamos a caminhar lado a lado com o homem. O ser humano não teve nem tem limites e começou a criar grandes inventos e fórmulas mirabolantes.

Um certo dia, um homem que trabalhava em seu laboratório distraiu-se e, por engano, criou um pequeno e inusitado sentimento. Por desconhecer tal criaturinha, multidões vinham visitá-la, na certeza de que ela era o símbolo da prosperidade. Cada um que nela tocava, sentia algo desconhecido que se confundia com poder. Essa criatura cresceu tão rápido e assustadoramente, que contaminou toda a humanidade. Fizeram, então, uma eleição para dar nome àquela gigantesca criatura. Eu, ao lado do homem, também em dúvida com aquele sentimento, sugeri que a chamassem de Senhor Orgulho. Rapidamente, começou um alvoroço. Foram brigas generalizadas, houve até mortes. Percebi que haviam criado uma força destrutiva.

Senhor Orgulho se tornaria o pai de todos os maus sentimentos. E pior, este monstro veio a casar-se com a dona Ambição. Deste casamento, gerou-se uma nova safra de maus sentimentos que também são indestrutíveis, cujo primogênito foi o Desamor. Daí por diante, todas as gerações foram de sentimentos maus. Eles dividiram o espaço e, até mesmo, ocuparam todo o espaço daqueles que os acolheram. A nossa luta contra esse exército de maus sentimentos é constante. Um dos objetivos dessa turma é nos aprisionar, escravizando-nos. Nós dois, juntos, na verdade, somos imbatíveis. Todos aqueles que nos têm como sentimentos, jamais se farão prisioneiros, mesmo que prendam o corpo, não conseguirão nos prender.

Abracei-me ao Senhor Ideal, à Dona Liberdade e à Dona Paz, com uma promessa de sermos amigos para sempre. Voltei ao mundo em que eu estava vivendo com um pouco mais de entendimento em meu coração.

Capítulo 10

“Encontrar com a Vida

é bater de frente

com a realidade.”

Continuando minha trajetória, avistei ao longe uma bela jovem. Caminhei lentamente em sua direção. Pude, então, ver que aquela jovem, apesar de linda, tinha um semblante muito triste. Tão triste quanto uma planta ressequida.

_Querida Princesa, parece que o mundo acaba de desabar em sua cabeça. Se você me permitir, queria ajudá-la.

_Não! Na verdade, não tenho problemas. Sou apenas parte dele, talvez pudesse me ajudar?

_Quem sabe! Primeiro, quero que você me conte tudo que aconteceu. Vamos estudar juntos e, oxalá, chegaremos a um acordo.

_Meu amigo, você me acha bonita?

_Você é a criatura mais linda que alguém já pôde ver, vou contemplá-la bastante. A minha amiga Cacá disse que se contemplarmos o que é belo e bom, somos também parte favorecida pela sua beleza e sabedoria.

_Sei que você, Messias, é sincero em suas palavras. Mesmo assim, seu julgamento pouco me ajuda. Estou com o astral tão baixo, que talvez gastasse milhares de anos para realizar as coisas que me fariam feliz. Sabe, Messias, contemplo de manhãzinha o sol, os pássaros, as flores, gritos de criança correndo livres e felizes. Contemplo pessoas que levantam cedo para trabalhar; outros, mesmo enfermos, lutando pela vida. Tudo isso me alegra, sinto-me revigorada e, modéstia à parte, até bonita. Sei que existem milhões de razões para ser feliz. Eu, na verdade, contemplo cada detalhe, sei muito bem que cada momento é tão raro, que é único.

_Aí está a razão que lhe proporciona tanta beleza! Não há motivo para que se sinta feia quando se é capaz de contemplar tamanhas maravilhas.

_Meu amigo, este é o lado que muitos de nós vemos e com que convivemos. Venha, meu amigo, vamos dar a volta pelo mundo. Vou levá-lo aos países pobres, para que você veja e analise por si mesmo. Sei que irá entender o porquê do meu desalento.

Tomando-me pelas mãos, atravessamos por debaixo de uma grande nuvem. Começamos a percorrer países da África, Índia. O quadro era realmente desolador, crianças e velhos tão magros e sem forças, lutando apenas para que a morte amenizasse o seu sofrimento. Ali, eu pude ver a minha amiga Dona Morte, bela, lutando desesperadamente para dar cabo àqueles sofrimentos. Olhei triste para minha amiga, assustei-me ao vê-la tão feia. De fato, se ela permanecesse ali, talvez, a sua própria feiúra a exterminasse. Fomos, então para o Brasil. Em alguns lugares, as coisas não eram diferentes. Pessoas morriam de fome, sede e frio.

_Santo Deus! exclamei horrorizado. Minha amiga, por que estas pessoas sofrem tanto? Deus, por acaso, se esqueceu delas?

_Não, Messias! Deus, em sua infinita bondade, colocou aquelas pessoas de posses, ricos, políticos, deu a muitos o dom da medicina. Outros, os fez religiosos, para que servissem aos menos favorecidos.

_Amiga, então, o que deu errado?

_Deus não fez nada de errado. Ele deu a cada um o seu livre arbítrio e, junto, todo um plano da vida eterna mas, infelizmente, estas pessoas se voltaram para si mesmas. Agarraram com força o Senhor Egoísmo e, se não acordarem a tempo de encontrar o amor, com certeza, perderão a vida eterna.

_Mas, minha amiga, falta tanta coisa neste mundo?

_Não, amigo! As coisas sobram. O que, na verdade, falta a estas pessoas é aquilo que, desnecessariamente, foi acumulado por outras. Às vezes, as pessoas têm medo de doar até mesmo o amor. Talvez estas pessoas não saibam que o amor é como água de cisterna. Quanto mais se tira e doa, mais ela purifica e aumenta.

Contaram-me que “uma pequena criança, das muitas que não lhes deram o direito à vida, pouco antes de seu sono eterno, perguntou a sua sofrida mãe:

_Mamãe, será que existe pão lá no céu?

Acabou de dizer e partiu para o seu descanso eterno. Muito pouco ela aprendeu. O que viu, decerto, não lhe trouxe nenhuma saudade.”

_Está vendo, Messias, o porquê de meu sofrimento? É por isso que me torno às vezes tão feia.

_Interessante! Eu, há pouco tempo, estive com Dona Morte. Comecei a vê-la horrível. Depois de conviver com ela, vi que, na verdade, ela é linda! Somos nós que a enxergamos tão feia, mas com você foi o contrário. De muito bonita, pelo efeito de nossos sofrimentos, a fazemos feia.

_É por isso que estou tão contrariada! A Morte e eu somos irmãs gêmeas. Eu sou a Vida. Ambas sonhamos ser, um dia, a Esperança.

_ O nosso convívio foi muito gratificante, aprendi muito com você. Eu não concordo que você fique triste, por isso devo lhe contar uma história, que talvez a faça aceitar melhor as coisas. Dizem que: “uma certa ocasião, as estrelas pediram ao Criador que permitisse a elas descer à terra. Queriam, a todo custo, enfeitar os dias daquela gente humilde e bondosa.

O Senhor do Universo, com sua bondade infinita, fez as suas vontades. Vieram estrelas de todas as cores. Estavam dispostas a tornarem o nosso mundo o mais bonito possível. Ao chegar à terra, cada estrela procurou um lugar de destaque. Várias delas ficaram em volta da torre da igreja; outras se misturaram com os brinquedos das crianças. E, assim, o mundo ficou muito mais bonito.

As estrelas, no entanto, começaram a se decepcionar com os habitantes da terra. Começaram a ver crimes, roubos, e muita maldade. A líder das estrelas convocou todas as suas amigas para uma assembléia:

_Quem está satisfeita aqui na terra?

Ninguém respondeu.

_Então, vamos voltar ao céu, lá é o nosso lugar.

E, numa debandada, voltaram para o firmamento. Ao chegarem lá, o grande Criador perguntou às estrelas:

_Por que vocês voltaram tão depressa?

_Ah, Senhor! Nós nos decepcionamos muito por lá. As pessoas matam por nada e o egoísmo impera. Achamos a Terra muito violenta.

O Criador voltou a perguntar:

_E a nossa estrelinha verde, por que não voltou?

_Ela resolveu permanecer na terra. Sem a sua presença, aquele lugar não terá a menor chance.

Quando olharam para baixo, a pequenina estrela verde brilhava como nunca. Ela pedia aos povos que aumentassem as suas esperanças e seu amor.”

_Querida Vida, por pior que estejam as coisas, sempre valerá à pena viver. Viver é um ato de coragem e amor. Aconselho a você irmanar-se com dona Esperança. Vida e Esperança resultam em paz, amor e prosperidade. Vamos lembrar Jesus Cristo que sofreu e morreu pelos nossos pecados e ressuscitou só por amor. E, tantos outros que viveram ou vivem no anonimato. Ajudaram e ajudam os menos favorecidos a ter um dia melhor. Talvez este seja o sinal de que nossa estrelinha verde permanecerá brilhando por toda a eternidade.

_Obrigada, meu amigo Messias! Você veio alertar-me de que não devemos nos lamuriar. O caminho é arregaçar as mangas e lutar.

_Eu que agradeço a você, amiga! Aprendi muito. Estou certo de que não há ninguém que nos ensine melhor do que a Vida.

Capítulo 11

“Semear a fé e a esperança

é orvalhar as almas

ressequidas.”

Com passos lentos, atravessei um pequeno riacho. Andei por algum tempo sobre a relva verde, até que cheguei a um pequeno e simpático vilarejo. Percebi que era um lugar diferente.

As pessoas vinham ao meu encontro, abraçando-me e beijando-me com um largo sorriso. As crianças brincavam felizes como se o presente fosse eterno.

No final da rua, destacava-se uma construção grande e exótica. Era uma estrutura de madeira coberta com capim (sapé). Tinha uma varanda enorme com grandes mesas e bancos longos e rústicos. Na entrada principal, uma bela senhora de cabelos brancos e longos estava sentada em uma poltrona de taquara e palhinha que combinava com a simplicidade e beleza do lugar.

_Bom dia, minha Senhora!

_Bom dia, Messias! Que o amor de Deus reine em seu coração para todo o sempre.

Admirado ao ser reconhecido em tão longínqua paragem, perguntei:

_Por acaso, a Senhora me conhece?

_Neste nosso mundo, meu amigo, por mais que andemos, jamais deixaremos de ser quem realmente somos.

_E quem você pensa que eu sou?

_Você é o Messias, aquele que veio para contemplar e ser contemplado, para amar e ser amado!

_Nossa! Eu não sabia o quanto sou importante!

_Messias, essa sua colocação não é muito correta. Depois que ouvir os ensinamentos do Mestre, aprenderá a não usar o ‘Eu sou ’ e sim, o ‘nós somos muito importantes’ para Aquele que nos criou.

_Como poderei ser importante, se sou igual aos demais?

_Porque somos filhos do mesmo Criador. Meu querido amiguinho, acomode-se! Sirva-se de suco, experimente nossas iguarias pois vou contar a você a história deste lugar.

“Há muitos e muitos anos, aconteceu uma grande seca que quase exterminou com a humanidade. Crianças, velhos e até mesmo jovens morriam de fome. Começamos a observar que a maioria perecia mais pelo desespero do que pela fome.

Certo dia, depois de muito sofrer, reunimos crianças, jovens e velhos para juntos encontrarmos uma saída. Na verdade, não sabíamos a quem recorrer. As palavras nos levavam sempre ao mesmo sofrimento que nos assolava. Minha irmã gêmea fez uma observação que foi crucial e que veio dar início à felicidade que vivemos. Lembro-me como se fosse hoje. Em meio a falatórios, ela, com sua sabedoria singela, disse:

_Amigos, não devemos discutir. A nossa primeira etapa é procurar uma saída. Contemplem os animais: quando eles estão assustados procuram proteção e abrigo e vêm sempre ao encontro de seus pais. Vejam: as nossas crianças quando têm medo, fome, frio e dor, correm para juntos de nós.

Um dos anciões da vila retrucou:

_Por acaso, você quer dizer que a única saída é pedir ajuda aos nossos pais? Neste caso, você estará nos condenando a viver sem nenhuma proteção. Somos velhos e já não temos mais os nossos pais.

Recomeçaram as discussões com idéias evasivas. Alguns mais exaltados ameaçavam deixar a reunião.

Minha irmã Cacá, com toda a sabedoria que Deus lhe deu, interveio novamente:

_Meus amigos, ouçam por favor o que tenho a sugerir: Todas as criaturas têm, com certeza, o seu Criador. Vamos juntos evocar o nosso Criador. Ele com certeza nos dará a fórmula para livrarmo-nos do nosso desalento.

Naquele momento, todos, unidos em um só coração, clamaram em alta voz ao Senhor da Criação. De repente, o céu escureceu como se fosse cair uma grande chuva. Toda a multidão se dispersou, cada um correu para sua casa.

Foi uma surpresa para todos nós! Começaram a cair do céu, dois tipos gozados de sementes, uma era grande e cascuda parecendo um caroço de abacate; a outra, pequena, mais parecia uma castanha. Quando passou aquele inusitado acontecimento, os moradores da vila saíram curiosos com os desconhecidos caroços. Primeiro começaram a quebrá-los e não encontraram castanha comestível. Experimentaram cozinhá-los e o resultado também foi desastroso.

Então, nossos amigos começaram a esbravejar, arrependidos de terem dado ouvidos à pequena Cacá.

Minha irmã não titubeou. Sua sabedoria a levava a crer que, se as sementes vieram do Criador, com certeza trariam bons frutos. Os moradores juntaram as sementes e atearam fogo.

Cacá pegou algumas das grandes sementes e plantou em nosso quintal. Eu peguei algumas das pequenas parecidas com castanhas e também as plantei. Em pouco tempo, as sementes germinaram com uma ramagem de beleza inigualável. Vieram os frutos, cheios de espinhos por fora mas, quando retirados com paciência e carinho, tornavam-se os frutos mais saborosos de que se tem conhecimento. Cacá tentou ensinar às pessoas a comer daquela fruta, mais foi em vão.

Diziam que pediram ajuda ao Pai da Criação e Ele lhes deu espinhos. Vieram os frutos da segunda semente e, para decepção geral, eles tinham duas vezes mais espinhos que os primeiros. Foi outra confusão. Criticaram, riram de Cacá. Ela, com sabedoria e amor que Deus lhe deu, ouvia tudo pacientemente, pois sabia que tudo fazia parte de um plano do nosso Criador. Certamente, tudo aquilo resultaria no crescimento do ser humano.

De manhã, enquanto Cacá colhia as frutas maduras e as colocava em cestas separadas, inexplicavelmente, as cestas tombaram como por encanto, fazendo cair todas as frutas que se chocaram e, para surpresa de todos, se fundiram em uma só, soltando uma espécie de gás que contaminou todo o ambiente, trazendo uma sensação até então desconhecida, era o encontro da Esperança e da Fé. O coração de todos que se encontravam no recinto foi contaminado por estes dois sentimentos. Era o início de um novo tempo, Esperança e Fé resultavam em Paz e Felicidade para aquele povo descrente.

Cacá começou a se preocupar com o resto da humanidade. Se eles não encontrassem as frutas, com certeza não seriam beneficiados com a magnitude daqueles dois sentimentos.

Ela teve, então, uma idéia: Chamou a sua águia amiga e pediu a ela que pegasse com suas garras uma cesta cheia de frutas das duas espécies e voasse o mais alto possível, despejando-as sobre toda a humanidade. A águia atendeu prontamente. Quando o grande pássaro atingiu o céu, lançou as frutas sobre a terra. Ao caírem, elas foram se fundindo, exalando o gás embriagante que contaminou toda a humanidade.”

_Meu amigo, essa grande seca, na verdade, não era a ausência de chuva, mas a necessidade de se ter Esperança e Fé.

_Nossa! Mas que história! Essa Cacá é a minha amiga?

_Sim, aqui neste plano só existe uma. Ela, na verdade, se chama Esperança, e eu sou a Fé muito embora chamem-me de Aurora. Cacá e eu, na verdade, somos irmãs.

Messias, ser feliz é ter sonhos, é se agarrar à Esperança e repousar na Fé, lembrando-nos sempre de que o Amor é a liga capaz de fundir todos os bons sentimentos e afixá-los em nossas almas para todo o sempre sermos verdadeiramente felizes

_Ah, então é isso? Só agora compreendo por que a minha amiga Cacá sempre se fez presente em todos os momentos de minha jornada. Com certeza, eu me sinto a pessoa mais feliz do mundo. É um privilégio ser amigo da Fé e da Esperança. Por favor, nunca me abandonem. Sei que é hora de eu ir. Em meu coração, sempre terá um lugar reservado para todos os bons sentimentos.

_ Meu amiguinho, vá com Deus.

Capítulo 12

“Reencontrar-se é ligar

uma linha reta,

da razão ao coração.”

Voltei à estrada. A cada momento, percebia que a dona Natureza não tinha limites. Novas e belas paisagens se renovavam em cada lugar. Subi a serra, queria respostas. Quem sabe, nas alturas, eu as encontrasse.

Sentei-me debaixo de uma grande árvore. Eu estava confuso e cansado demais para prosseguir. Comecei a ouvir um assobio irritante. Olhei para todos os lados e não vi nem uma viva alma. Tentei fechar os olhos e ignorar mas foi em vão. A cada momento, aquele assobio tornava-se mais alto. Não me contendo, sai à procura daquele barulho infernal.

Observei que alguém por detrás de uma grande pedra continuava a assobiar. Acho que o seu objetivo era me incomodar.

_Amigo, por que dentre tantas pessoas que conheci, só você é quem me parece desagradável?

Aquele jovem saiu de trás da pedra e olhou sorridente para mim. Levei um grande susto. Aquele indivíduo era a minha réplica, uma cópia fiel. Imediatamente, exigi uma explicação:

_Você, por acaso, é meu irmão?

_Não! Vejo que a minha presença o incomodou muito. Sabe, meu companheiro, para você, eu serei a pessoa mais insuportável do mundo até que aprenda a conviver consigo mesmo.

_Você está dizendo que somos a mesma pessoa?

_Sim. Perdoe por eu não ter-me apresentado antes, mas é preciso viajar muito, passar por vários estágios e conhecer muitas pessoas para que possamos nos encontrar. Eu sou o seu Eu Interior. Quando perguntou à Dona Cacá quem era você, ela, com a sua sabedoria lhe disse: “Deus, em sua infinita bondade, colocou o nosso Eu lá no fundo de nossa alma, bem no cantinho, onde moram as nossas verdades.” É por isso que foi tão difícil o nosso encontro. Depois de contemplar uma infinidade de pessoas, somando as suas sabedorias aos nossos conhecimentos e, só aí, nos descobrimos, ou melhor, nos aproximamos ainda que de longe.

_Como farei para conviver melhor comigo mesmo ou com você?

_Eu também não sei o que fazer. Vamos procurar juntos uma resposta que nos satisfaça. Em primeiro lugar, você tem que descobrir quem sou eu, ou melhor, quem somos nós.

_O que você acha que precisamos ter para alcançar a felicidade?

_Sabe Eu, descobri que, quando somos criados, graças a nossa fragilidade, somos violados pelos sentimentos oportunistas que, na verdade, são maus e indestrutíveis. Eles ficam aprisionados dentro de nós. Só a nós é dada a chave capaz de mantê-los fechados ou libertá-los. Voltemos novamente à amiga Cacá. Ela é a sabedoria singela e pura que nos guia a uma aprendizagem ampla. Quando conseguimos abrir o nosso coração para a humildade, recebemos, como gratificação, o amor. E a cada bom sentimento que acolhemos, fazemos dele guardião que ficará de sentinela, atento a manter os maus sentimentos em seus cárceres, pois eles são indestrutíveis.

_Aprendi com Dona Cacá que “a paciência é a mãe das virtudes”.

_Meu amigo, se você aprendeu tudo o que lhe foi ensinado durante a sua jornada, por que se irritou, quando se viu frente a frente? Lembre-se de que poderei ser o seu melhor amigo ou o seu pior inimigo. “Dizem que o homem que conhece outro ser humano, conhece o universo. Mas, aquele que conhece a si mesmo, conhece a Deus.”

_É, você tem razão! Preciso refletir sobre isso, dê-me um instante...

_Talvez você não consiga encontrar a resposta. Eu estou pensando aqui com meus botões; Sendo eu o seu interior e não estou encontrando a verdade que nos unifique; você, que é o exterior, com certeza não terá a menor chance. Todavia, contarei, uma história, que talvez ajude e nos una:

“Certa vez, um homem muito rico comprou uma mansão que, no século passado, pertencera a um poderoso lorde. Portanto, aquela mansão carecia de reformas urgentes. O proprietário contratou várias pessoas para trabalhar na reforma.

Ao lixar a parede, descobriram que, por debaixo daquela tinta, havia outra. O dono admirou-a e, mesmo assim, pediu que retirassem aquela camada, pois queria aplicar a cor de seus sonhos. Lixaram por três vezes e, a cada vez, surgia uma outra cor. Apesar de surpreendentemente belas, não preenchiam os requisitos do senhorzinho. Convicto do que queria, o dono pediu para que removessem toda a pintura.

Foi grande a sua surpresa quando, ao removê-la por completo, descobriram que as paredes eram revestidas de madeira. Ninguém jamais imaginaria que, debaixo de tanta maquiagem, existia tamanha beleza natural e de qualidade inigualável, o que encheu os olhos do proprietário.

Desta feita, o proprietário agradeceu a Deus por descobrir a real beleza e ordenou que todas as paredes mantivessem suas cores originais, a da madeira. Conclusão: Por mais que maquiemos as nossas vidas, jamais mudaremos, verdadeiramente, o que realmente somos.”

Meditando sobre essa história e, tentando decifrar a mensagem, desci a serra. Minha cabeça estava em frangalhos. Olhei para trás e vi o Eu que, cabisbaixo, acompanhava-me. Comecei a sentir-me um verdadeiro fracassado. A auto-piedade tomava conta de mim. Pensava que tudo o que eu havia vivido não me trouxera nenhuma sabedoria. Comecei a contemplar a beleza daquele lugar. Ergui os meus olhos aos céus pedindo ao Deus do universo uma resposta que aliviasse minha aflição. Mantive os meus olhos fixos, até que percebi que lá do alto não viria nenhuma resposta. Sentindo-me impotente, recapitulei os ensinamentos da amiga Cacá: “Só a humildade nos conduz à verdades.” Abaixei os meus olhos e vi que, dentre aquelas pedras, existia uma pequena poça d’água tão límpida que mais parecia um espelho. Abaixei e comecei a contemplar a minha imagem refletida na água. Só aí descobri que eu era bonito e que aquilo que me perturbava era a dor do meu crescimento. Na verdade, eu me amava, eu acabava de me descobrir! Olhei para trás à procura do Eu e, naquele instante, pude ver que o meu Eu se resplandecera, tornando-se uma grande luz que veio ao meu encontro, alojando-se no meu peito. Ouvi, então, uma voz que disse:

_Não procure as resposta nas alturas! Às vezes, é preciso abaixar para que possamos nos enxergar. Só encontramos o nosso verdadeiro Eu, quando aprendemos a conviver com as nossas limitações e fraquezas, lembrando-nos de que o Eu é um universo, que devemos explorar a cada momento. A sua peregrinação se completou...

Só assim eu pude entender quando a amiga Cacá disse que” por mais que aprendamos, nunca passaremos de aprendizes.

Capítulo 13

“Voltar à vida

é o alvorecer da esperança.”

Concluindo a minha caminhada senti algo estranho, uma tontura. Pouco a pouco, fui apagando até sair do ar por completo.

Quando voltei à consciência, lá estava eu, deitado. Ao meu lado, um senhor examinava-me, com carinho. Perguntei o que havia acontecido.

_Nada com que se preocupar. - Respondeu-me sorridente aquele surpreendente personagem.- O que aconteceu com você são coisas decorrentes da lei natural da vida. Significa que você está pronto para recomeçar. Sei que continua com dúvidas, não se preocupe, as respostas virão. Messias, lembre-se: “o mistério do bem-viver é a bondade. Bondade é como ave migratória. Ela vai, reproduz e volta amadurecida e multiplicada.” A bondade é semelhante à história do cacho de uvas: “O pai de uma pequena família, ao passar em frente a uma banca de mercado, viu um cacho de uvas muito bonito. Ele disse baixinho:

_Meu Deus, a minha esposa gosta tanto de uvas, vou comprá-las e levar para ela.

Assim o fez. Quando chegou a casa, deu o cacho de uvas para a sua esposa. Ela, por sua vez, sentiu uma felicidade muito grande de ter sido lembrada e agradeceu ao marido. Esperou-o sair para o trabalho e começou a pensar: “ A minha filha gosta muito de uvas, não seria justo que eu as chupasse.”

Decidiu, então, dar o cacho a sua querida filha. Foi até escola onde ela estudava e lhe deu as frutas. Esta também ficou muito contente e agradeceu à mãe. Quando esta foi embora, a filha pensou: “Coitado de meu pai! Trabalha de sol a sol! Darei estas uvas a ele.”

E assim as uvas voltaram para quem primeiro as doou.”

_Muito obrigado, meu Mestre! O Senhor poderia me dizer o seu nome?

_Sim, Messias! O meu nome é Salvador!

_Amigo, talvez você possa revelar-me o meu verdadeiro nome.

_Mas é claro! Aqui, neste plano, você será sempre o Messias! Mas, do outro lado, o seu nome é Emanuel. Se você me permitir, vou acompanhá-lo pelo resto de sua vida. Messias, você fez muitos amigos por aqui e alguns deles gostariam de cumprimentá-lo.

Levantei da cama sentindo-me em estado de graça. Uma paz divinal tomava conta do meu ser. De mãos dadas ao Salvador, saí pela rua repleta de todos aqueles que eu havia conhecido durante a minha jornada.

Senti uma sensação gostosa ao encontrá-los. Cumprimentaram-me com um largo sorriso e enviaram-me uma intensa luz, como um laser, afixando-a em minha alma. Ali estavam: Gasperim, Cleone, Nikilyn, Tio Francisco e suas crianças, a Humildade, o Amor, Senhor Tempo de mãos dadas com Caca, Senhor Ideal, Dona Liberdade, Dona Aurora, Dona Paz, Dona Vida e a Dona Morte. Cacá e senhor Tempo vieram ao meu encontro e abraçaram-me carinhosamente com aquele abraço que só quem tem amor é capaz de dá-lo. Caca beijou-me na testa carinhosamente.

Fui entregue às duas belas irmãs, a Vida e a Morte. A amiga Morte despediu-se de mim com meiguice. E, desta vez, foi a Vida que entoou uma bela canção. Senti meu corpo levitar. Era como aquele transe em que entramos quando recebemos um beijo da pessoa amada. Neste momento, pude ouvir uma voz conhecida que gritava eufórica:

_Ele acordou! Meu filho acordou!

Olhei para o lado e ainda pude ver minha companheira e amiga Cacá, de mãos dadas com o senhor Tempo, com um breve sorriso e acenando com as mãos, afastaram-se lentamente, até que suas imagens sumiram daquele quarto deixando em mim a suas essências. Do outro lado da cama, reconheci meu pai que sorria e chorava agradecendo a Deus por eu estar vivo.

Fim.

A receita para ser feliz é: AMAR, AMAR, AMAR...

ANTÔNIO TAVARES
Enviado por ANTÔNIO TAVARES em 12/04/2009
Código do texto: T1535119