O PADRE - Lia Lúcia Almeida de Sá Leitão - 10/04/2009

(TEXTO NOVO)

A noite partilhava da cumplicidade dos pirilampos que insistiam em travar a batalha de fogo e lume com as pessoas que esperavam num burburinho de impaciências e falatórios e olhares junto ao palanque construído no paço da Igreja Matriz. Uma bandeira enorme do Município servia de pano de fundo como tapume para proteger o vento frio de inverno.

O criador daquele evento e o pintor daquela bandeira não deixaram barato, um autorizou e o outro, sem o menor respeito aos torcedores adversário largou a mão de tinta em dois outros painéis laterais com as cores do time favorito da Cidade e do Estado.

As meninas crianças sem os olhares e rigores da Lei das tias solteirona e avós bisbilhoteiras e severas, ainda brincavam de roda e cantavam alto, as cantigas das noites sem luar, os meninos ainda sem a malícia dos adolescentes que buscam na internet a foto pelada do último paparazo, Mulher Maçã, Mulher Moranguinho, Mulher Melancia... Paparazo traz as frutas que só o Brasil tem, que romântico! Eles brincavam de barra bandeira, levantando uma poeira fina e indesagradável criando uma crosta avermelhada do barro na pele dos presentes ao forró de Nicolau.

As mulheres em suas roupas afogueadas, de rosas amarelas, margaridas azuis, dálias, cores tão brasis quanto os olhos das mocinhas que pescavam no terreiro da praça os rapazes mais bonitos, se não fosse o mais bonito, claro que estaria de bom tamanho o filho do Dr. Ou o do delegado até o do Juiz, afinal eles seriam os futuros homens da cidade, as moçoilas naquela altura se conformariam até com o filho do dono do supermercado, afinal o carro dele era o mais equipado com som de última geração e DVD.

Na verdade as adolescentes da cidade procuravam os candidatos a preencher a vaga dos corações devotos ao santo padroeiro, Santo Antônio preso no Oratório a um laço de fita amarela contrastando com o vermelho do Coração de Jesus.

O Santo amarrado às novenas e as moças aos sonhos do encantamento narrado nas portas de casa dos casamentos eternos conquistados em noites de lambança nas casas de família de bem assim como a filha de Sinhá Doroteia, encalhada de dez anos e um belo moço da cidade encantou-se, em menos de três meses, casou-se!

Os banhos correram pela freguesia mais próxima e na Capital.

Moço estudado futuro invejável para qualquer filha de fazendeiro da região e assim a fofoca andava de braço com jovens, adultas, adulteras, e as matronas com olhares fulminantes em direção aos moços remediados que faziam as vezes de uma conversa respeitosa com as netas assanhadas.

As conversas se entrecortavam, o sanfoneiro demorava, o público ficava indócil de um lado para ao redor do jardim em frente a Casa Grande de esquina do avô, o Conde da Divina Graça, o padre levantou-se por alguns momentos para buscar na mesinha dos doces umas guloseimas e disfarçadamente passou os olhos no relógio da algibeira, do alto da varanda sorria um sorriso santo para aquela gente que depois da novena também acreditava no consolo do corpo.

As crianças do avô, como ele chamava cada um de nós com seu jeito bonachão de quem nunca deu um dia de trabalho pra ninguém, mas que fez muita gente trabalhar debaixo dos gritos e dos administradores dos canaviais.

Ele era um amor de homem, ria um sorriso de quem era maroto tanto quanto os netos machos, e benevolente com as netinhas mais feias da casa, mas ele sabia que todas casariam, afinal poder e dinheiro compram até amor sincero.

As meninas bem comportada da casa grande estavam na sala, sentadas em torno dos ritmos americanos, as mais desesperadas caminhavam pela passarela da calçada chegavam na frente do alpendre e acenavam com a mão e soltavam beijos para o avó.

Verdade, verdade foram tantos beijos que sobraram até para o Padre.

O Padre, rapaz jovem, lindo, alvo de cabelos pretos bem cortados, sem trejeitos de ... de... desses padrecos afeminados que existem por ai, o homem, falava bem, se expressava melhor ainda, era amigo da família, amigo de todos os meninos, e claro, não tinha melhor confessor para as religiosas fogueteiras da cidade.

Passeavam, riam-se, compravam algodão doce, pipocas, e ofereciam do outro lado da rua para os familiares da casa grande. Todos olhavam, riam acenavam de respostas e soltavam beijos carinhosos.

Apenas o Padre ficava quieto cada vez que as meninas do avô brincavam do outro lado da rua acompanhadas de longe pelas tias solteironas e maiores mexeriqueiras da cidade que sempre olhavam o Padre com ares de santidade e acenavam timidamente para todos dali.

O Padre olhava aquilo tudo, esboçava um ar paternal, retribuia timidamente com o aceno daqueles dois dedinhos juntos, ( o que dá dedada no trânsito quando alguém xinga de idiota e aquele que ponta todos os erros dos outros, inclusive direciona apontando o xingamento de idiota, grifo da autora). Q

Os dedinhos juntos significam uma benção!

Mas, ninguém cria que o Padre pensava dentro da batina preta: nunca tocara o corpo de uma jovem serelepe, entrara no seminário ainda menino, tinha pavor à mulher, a rigidez da mãe, os olhos da madrinha, a irmã mais velha com ares de santa jamais davam trégua a uma brincadeira normal de criança, tudo podia ser pecado mortal!

Uma vida dedicada ao celibato, choros contidos do pecado iminente, depois de consagrado, sua vida foi ouvir queixas das madames, fazendeiras traídas por seus maridos, tias virgens que pecavam no banho, confissões das surras encomendadas para as amantes e os fuxicos das moças velhas, donzelas de carteirinha, putinhas do avô, mocinhas casadoiras mais freqüentada que o confessionário do Bispo, sem contar beatério moralizador da Matriz, azucrinando-lhe o dia com seus pecados dos capitais,corporais, genitais, aos mortais que não passavam dos mais venais do mundo moderno no interior de santos e romeiros, gente rica do bem e mulheres honestas rezando a Santo Antônio.

Ele ali, preso, olhando toda aquela folia e ele ali, nunca tivera chances de lambanças, nunca se embriagara como rapazes da sua idade, nunca tomou nos braços uma prostituta com cara de mulher ao invés daquelas donzelas com rostinhos de anjo que o provocavam no confessionário.

Lia Lúcia de Sá Leitão
Enviado por Lia Lúcia de Sá Leitão em 10/04/2009
Código do texto: T1531960
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