Da esperança e seus demônios
A vi quando passava por um vilarejo de ruas empoeiradas e desertas, de um silêncio quase que sombrio. Nada naquele lugar mexia-se ou mesmo surgia de suas vielas, nenhuma alma viva e maltrapilha se esgueirava por entre as janelas e portas semi-abertas dos casebres.
O vento zunindo era o único barulho que se ouvia naquelas ruas, exceto por um leve ruído que com um pouco mais de esforço podia-se ouvir claramente. Guiado por minha curiosidade, seguir o renitente ruído até o final de uma das ruas, no fim da qual pude vislumbrar em um dos casebres, um vulto inerte e, de certo modo, um pouco sombrio.
Com um olhar mais atento e também mais assustado, dirigir-me àquela figura de aspecto morbido e entristecido.
Era uma senhora de olhar perdido, fixos em algo além daquelas ruas. Sentada no alpendre de sua velha casa, na cadeira que fora um dia de sua mãe. Tinha o vestido desgastado, chale e alparcatas de couro.
Mantinha-se estática e presa em seus pensamentos. Em contraste com esse ambiente fúnebre, só o ruído vivo e muitas vezes, insuportável da cadeira de balanço.
Seus pés cansados e castigados pelos anos, muito se esforçavam por manter o balanço da velha cadeira, seu rosto enrugado, seus cabelos amarelados, presos por um prendedor em forma de borboleta que também fora de sua mãe, denotavam anos de solidão.
Seus olhos pequeninos, negros e vagos, fitavam por vezes, o terreiro da rua. Esperava ver novamente naquela rua triste e empoeirada o seu filhinho que fora embora há mais de quarenta anos.
Às vezes, jurava vê-lo fazendo peraltices e dando cambalhotas, correndo com seus pezinhos descalços.
Isaías, partiu ainda menino, sem dizer uma só palavra, nem mesmo um simple gesto de adeus. E a esperança morreu no mesmo lugar onde nascera. Sozinha, em sua velha cadeira, vendo Isaías que ia e vinha, ora rindo ora correndo, com seus pezinhos descalços.
(Mulungu)