O Conto Inútil
Ao desdém dos fatos ocrridos na cidade, ia o sr. Silva anotando e elaborando um livro com a pretensão misericordiosa, segundo ele, de mudar o mundo, e a visão dos que ele até então chamava de "modistas mundanos". Trancafiado no quarto de seu apartamento, o fazia, sepultando impiedosamente cada palavra os pálidos e desorganizados papéis que ficavam sobre a sua nobre mesa de trabalho, madeira cara, européia, a qual ainda pagava a prestação. Ficara tão obcecado por suas escrituras, que no subterfúgio de sua solidão, premeditava inconscientemente encontrar algo de novo, ao menos algo que fosse possível mudar os conceitos do planeta e entortar a órbita da terra. Para isso, inventara um personagem imaginário, diferentíssimo de seu mundo de idéias que ficava perambulando em seu território numa única e constante discussão sobre o que finalmente se discutia.
Este, que fosse, era a sua criatura. Obviamente seria o qu ele sempre desejara - algo, ou alguém que lhe escutasse, um ouvinte somente seu, já que vivia só, ou melhor - um leitor. Sim meus caros amigos - um leitor. Já que não há mais nada a inventar neste mundo mesmo, então aí está - um "personal leitor". Ficavam discutindo por horas a fio de lã e nestas frequentes diárias, o sr. Silva ia percebendo o quanto acriatura sem nome era ameaçadora para ele, ela conseguira ser mais ambiciosa, talvez até mais racional e inteligente que o prepotente criador. Também percebera que não era mais o sr. Silva quem escrevia, e sim, agora era nada mais nada menos que o seu fiel leitor. Não compreendia as mudanças sutis que acarretavam todos os dias em sua forma de escrever, de pensar, e como aquelas idéias iam perdendo-se, e pilares firmes faltaram-lhe para sustentar o peso das ondas sincopadas de vozes alheias. A criatura geniosamente contornara a submissão e a ira do mestre, e no momento era o dono das circunstâncias. Ambicioso, agora não conformava-se mais com o quarto empoeirado do sr. Silva, e com certeza, algo balbuciava dentro dele, com certeza gostaria de transpor-se àquela porta cinza. Lá - imaginava - poderia descobrir outros personagens que também discordassem das paráfrases sem margem de um escritor bem mal sucedido que era o sr. Silva.
No mesmo dia, pressentindo um aperto na mente, o sr. Silva resolve abdicar do jejeum social que tinha implantado. Fazia semanas, semanas sujas e nevoentas. Uma sensação de impotência tomava-lhe o espírito, e na cabeça martelava uma enorme dúvida há muito tempo escondida por descaso sobre a sua vocação para a escrita, pensou ele estar perdedno muito tempo em sua vida. Olhou-se no espelho do banheiro, de máscara quebrada e olhos cansados, sentindo a falta de suas óculos redondos, diminutos de providência sobre a pia molhada. Saiu do 11° andar, seu apartamento, e descia as escadas, pensativo e de agasalhos e galochas. Desceu ao térreo e tomou notória direção em linha reta a porta de saída, mesma de entrada. Seguiu e logo após, virou-se já do lado de fora do prédio, e ficou parado, observando o prédio, sorrateiro, de cima a baixo. Ficou ali, por algus minutos, e não lhe passara nada pela cabeça neste momento. depois virou-se de costas e tomou um novo rumo, que nem o próprio o sabia. Ia pela calçada, assediado pelo frio, cercado pela neblina que atrapalhava o caminho das pessoas, e o seu.
Havia, é claro, muita pessoas ali também, muitas pessoas e árvores e ele, grande para si, mal cabia dentro de si, mas inapercebível na multidão. Avistara um banco de praça velho e sentou-se, observou a presença d ealgumas crianças brincando. Olha va com certa inveja, mesmo que pouca fosse, pelo seu orgulho, já que nunca tivera infância com bola e bonecos, e nem ao menos filhos. Pensou em filhos, e dentrode si veio-lhe uma imagem de sua criatura bastarda, rebelicionista. Abrira os olhos como se naquele momento despertasse em si uma idéia, uma solução para tias circunstâcias - sorriu amarelo. Num movimento rápido, levanta-se o sr. Silva, e subitamente a idéia de destruir a s suas escrituras bárbaras. Uma nova expressão estampava em seu rosto pálido e seguro de si, enquanto caminhava apressadamente pela rua. Acendeu um cigarro, deu a primeira tragada e subiu no edfício até a sua sala. Abriu aporta completamente tenso, quase arrebentando a fechadura - surpreendeu-se num instante - viu-se a criatura desbravadora, contaminando uma parte do apartamento com os seus ares, com as paredes risacdas de lápis de cera pretos. Assustou-se mas tinha uma decisão prontificada - tinha de ser feito.
A criatura, sem rosto nem sexo, lhe apontava com o cotoco do lápis o teto, e aproximou-se lentamente, fazendo-lhe uma pergunta:
- Mas por que será, por descaso ou por ignorância que nunca me contaste sobre este lado de cá? O sr. Silva deu mais uma tragada, desta vez enchendo a boca de fumaça de uma só vez. Fora a tragada mais determinada de toda a sua vida. Desengonçado, fora em direção ao quarto, e vê, num rápido olhar as tais anotações que procurava. Fizera-lhe como se fosse algo completamente necessário - acendeu o isquerio, e queimou todos os papéis amontoados no chão. Queimava e queimava perfeitamente, de um alívio em chamas a uma fumaça preta, que nem o ar, engoliria com tanta facilidade aquelas idéias inúteis, inertes e inúteis de novo. As palavras que até então diziam-se sepultadas, acabaram-se por cremadas e as cinzas só tornaram-se cinzas de papel.
A criatura adentrou no quarto do sr. Silva, num estado de perplexidade nunca experimentada antes, e viu, os papéis dissolvidos como mágica, pelo fogo intenso de providências. De repente uma outra sensação esquisita lhe ruiu, como uma lâmina afiada que rasgasse qualquer pano de reação. Assustada, a criatura olhou para os seus pés, para as suas mãos - ela estava dissolvendo-se! Mas não era, por incrível que pareça, culpa do assinato dos textos, mas simplesmente por que o sr. Silva, o criador, acabara de se jogar do 11° andar...