Desventuras de um ex-boneco de neve X
“Olhando de perto, a vida é bem feia” (André Vianco)
Fazia horas que ele estava ali escondido atrás da banca de jornal, dali ele observava o semáforo, primeiro verde, depois amarelo e finalmente vermelho, era ali que elas entravam em cena, as crianças que há tempos ele estava observando, elas pediam esmolas e quando o farol ficava verde novamente, elas iam direto para uma mulher, que se encontrava de baixo do viaduto em volta a sacolas e papelões, as crianças davam as moedas que recebiam a mulher e esta lhes davam um beijo estalado nas bochechas, ao observar esse ato de carinho Lombriga passou instintivamente as mãos pelo rosto imaginando como seria bom se ele recebesse um beijo também.
Logo a mulher percebeu sua presença ali, a princípio ficou apreensiva, o que aquele garoto fazia ali, será que tava querendo roubar seu ponto? Logo mandou um de seus filhos chamá-lo.
---Venha cá meu filho!
Devagarzinho ele se aproximou.
---Venha. Incentivou a mulher. --qual teu nome?
---Me chamam de Lombriga.
---Ah! riu a mulher. --Deve ser por causa da tua cor menino, é tão branquinho.
---É que eu era um boneco de neve, e os bonecos de neve são brancos, uma vez que a neve é branca. Explicou o garoto.
---Sei... boneco de neve, é? Que coisa! Mas não importa, está sozinho?
---Hã rã. Confirmou.
---Sei... Quantos anos tu tem?
---Eu não sei.
---Ah! tadinho, mas tu não deve ter mais que nove.
---Tá com fome?
A mulher remexeu nas suas tralhas, tirou uns papelões do lugar e de baixo de uma caixa pegou um pote com bolo e lhe ofereceu um pedaço.
As outras crianças (eram três) se reuniram ao redor e ficaram olhando para ele.
---Obrigado. Disse levando o bolo à boca. Ao perceber o olhar das outras crianças disse:
---E eles?
---Eles já comeram, não é crianças? Como as crianças não responderam, ela insistiu. Não é?
---Sim. Responderam meneando a cabeça.
---Muito bem agora vamos todos dormir, porque amanhã a muito por ser feito.
E todos se aconchegaram em meio a papelões e cobertores puídos e adormeceram