Apenas um Sonho?
Mais uma vez ela o procura com as mãos, como se no coração dele fosse possível acender estrelas. Pode apenas intuir a escuridão das palavras prisioneiras, que lhe sufocavam o sol da alma, após sua decisão. Fita-o, e mesmo tão longe, ouve a melodia de angústia que seu coração toca. Sequer desconfia que é a última vez.
Lembrou-se de quando o conheceu. Não foi preciso toque, nem olhar. Num primeiro momento culpou o acaso. Depois percebeu que ele não era onipotente, para tamanho encanto reter por tanto tempo. Como poderia ele ocultá-lo de si? Como poderiam os corações não serem
apresentados? Não teria o destino traçado o encontro? Desistiu das perguntas. Quanto mais se apressava o relógio, para explicações pedir, mais ela desconhecia o passar do tempo. Deixava-se ficar. Estava onde sempre quisera e ao dispensar a pompa das justificativas que a racionalidade elaborava, trazia alívio no coração. A partir daí, aliaram-se tão somente à emoção. Respiravam juntos, pois como ele dissera tantas vezes, começaram a viver no dia em que se conheceram. Tinham os mesmos anseios e seus pés corriam por entre nuvens, desenhando sonhos, fazendo novas cores brotarem na paisagem das almas, que até então eram outonais.
Quando se aproximava o instante de estarem juntos, dos lábios sorriam primaveras. Frequentemente atropelavam o tempo, por não ser possível esperar o momento planejado. Eram reuniões desmarcadas, clientes esperando, o supermercado por fazer, contas por pagar e o sono para depois.
Entre eles a cumplicidade cintilava, mesmo que seus olhos sequer se encontrassem. Ela apenas o sentia, ele a adivinhava. Nela sempre havia a sensação de oceano que brotava do coração dele. Ele confessava-se em ondas de pensamento, quando percebia a fragrância dela trazida
pela brisa da manhã. A distância não importava. Não existiam torres, estradas ou muros. Vestiam-se de ousadia, desafiavam o convencional e sem que percebessem, os carinhos ganhavam asas e o perfume do amor entranhava-se.
Lembrou-se de um momento, em que ele sussurrou um acanhado "eu te amo". Palavras de letras rubras, coradas nas mãos como adolescentes no primeiro encontro. Por meses a fio abandonaram os fantasmas, criaturas insistentes que lhes assombravam a convivência. Não questionavam o que era possível ou permitido. Eram merecedores dos
olhares de arco-íris estampados nas faces, dos desejos somente pronunciáveis a seus ouvidos. Riam do prazer que os corpos sentiam e dos poderes que tinham um sobre o outro. Estabeleceram códigos e enfeitiçados pelos signos de amor, brincavam de surpreenderem-se.Nela havia sempre um fôlego extra para fazê-lo feliz e o coração dele, percebendo, não se cansava de querê-la sempre mais. Quando ela pensava que sabia tudo, as mãos dele a guiavam por novos caminhos. Veio à lembrança o som de espanto do riso dele ao aventurar-se nas sinuosas curvas dos desejos dela. Viviam no limiar do risco e gargalhavam nas recordações da coragem.
O coração revestiu-se em brumas e ela o viu partindo, enquanto à tarde se despedia. Aceno de lágrimas nos olhos de oceano dele que ruge em desespero. O mundo parece tenso e um vulcão em erupção derrama-se sobre os caminhos, onde com passos desconhecidos, ele agora vai trilhar. Ele ainda insiste numa carícia. Um último "eu te amo". No universo dos dois, em lugar de "eu e tu" existe agora uma multidão. Gritos gemem de outras bocas, enquanto o silêncio dela apenas fala de dor.
© Fernanda Guimarães