ERA SÓ O QUE FALTAVA

O som irritante do despertador, que barulho insuportável! Mais uma noite mal dormida, também pudera, se o meu salário, naquele emprego fosse um pouquinho melhor. Não, agora tenho que me contentar em viver tal qual uma sardinha banhada em óleo. Esse maldito apartamento, se é que podemos chamar de apartamento um local como esse, um quarto e banheiro.

Não tenho espaço nem para por uma cama decente. Você deve achar que é exagero de minha parte, não é? Queria ver você conseguir viver, ou melhor, conseguir simplesmente dormir num quarto que nem janela tem. Está achando que é fácil? Uma caixa de fósforos tem mais ventilação. A única brisa que poderia surgir, seria através do basculante do banheiro, poderia, se aquela parede de concreto armado do prédio vizinho não resolvesse ficar plantada diante dele, oferecendo uma linda visão acinzentada.

Bom, não adianta reclamar muito, o trabalho não pode esperar.

Às vezes eu fico me perguntando; não seria melhor se eu tivesse um automóvel? Mas quando eu olho essa cena, acredito que não seria uma boa idéia. Vejam vocês, milhares de pessoas presas num trânsito caótico, entaladas em paredes metálicas, num calor sufocante, ou pior, sendo muitas das vezes arrastadas pelas águas que tomam as ruas quando a chuva aperta um pouco mais. Difícil não é? Acho que a minha amiga sardinha está melhor...

Eu não tenho dinheiro para comprar um veículo, tudo bem, eu poderia financiar um em inúmeras parcelas eu sei, mas para caber no meu orçamento, só se fosse um daqueles carros minúsculos, onde o nosso nariz fica quase arrastando no pára-brisas, aí você pode somar, trânsito caótico, calor ( ou inundação ) e aperto, não dá, não é?

Também acho, o pior é que para fugir dessa situação, eu preciso partir para uma outra, a qual não sei se é tão vantajosa assim. Depois de driblar meio mundo nas ruas, você já reparou no sufoco que é o simples fato de tentar caminhar nas ruas da cidade grande? Pois bem, depois de vencer esse obstáculo, preciso conseguir um espaço naquela máquina que carrega gente enlatada sobre trilhos, claro, o metrô.

Parece loucura, mas às vezes eu tento descer as escadas para chegar até a estação, mas, conforme eu tento descer, as pessoas que querem subir, me levam de volta ao topo.

Em seguida, fica todo mundo espremido na estação, na expectativa, então, o aparelho de tortura chega e as portas de abrem. Parece o estouro de uma manada. Uma corrida desabalada para tentar arrumar um lugar para sentar. Impossível. Óbvio. Fico engessado na mesma posição até o destino final, não consigo nem abaixar o meu braço.

Ainda assim, acho melhor do que encarar um ônibus, aquilo não é um meio de transporte, é um verdadeiro desafio às leis da física...

Chego ao meu local de trabalho, e aí você deve estar pensando que tudo acabou. Quem dera! Está apenas começando. Preciso chegar ao subsolo para, assim como meus colegas, me preparar para começar mais uma jornada. Já devidamente uniformizado, mais um desafio; o elevador. Um cubículo onde se apertam vários funcionários; o pessoal da manutenção, os vendedores de bilhetes avulsos, os agentes de segurança e meus colegas de profissão.

Aquela caixa de metal claustrofóbica transforma aqueles segundos, entre o subsolo e o nível do asfalto, em uma tortura sem fim. Todos colados e espremidos, já nessa hora da manhã. Onde trabalho? Numa cabine de pedágio de uma rodovia super movimentada.

Você deve imaginar como é o meu posto de serviço. Não tenho espaço nem para esticar as pernas. Convenhamos, aquilo não é trabalho, é tortura ( mais uma ). Imagine você, passar várias horas entalado, com as possibilidades de ida ao banheiro limitadas, sofrendo com o calor sufocante ou congelando pelo frio, tendo que inspirar todos os gases poluentes provenientes dos canos de descarga. Sinto-me numa câmara de execução!

Fim do trabalho. Fim do sufoco? Depende do ponto de vista. Faço o caminho inverso de volta para casa, obviamente cercado pelas mesmas facilidades que encontrei para chegar até aqui.

Mas, amanhã é o meu dia de folga, e você deve estar imaginando que eu queira ficar em um local amplo, bem arejado para variar, na maioria das vezes eu diria que sim, que você está correto. No entanto, todos nós temos uma alma um pouquinho masoquista, e hoje, tem um evento especial, o qual eu esperava há muito tempo; o show da minha banda de rock preferida! Ah, que lugar perfeito para um boa circulação, não é mesmo?

Chegando em casa, me aprontei rapidamente. Nem liguei muito para o fato usual de meus cotovelos baterem o tempo todo nos azulejos do banheiro enquanto eu me ensaboava no banho, ou das portas do guarda-roupas não conseguirem uma abertura total, porque os pés da cama não deixam.

Nada disso vai me tirar do sério hoje. Farei até uma extravagância, tomarei um táxi. Claro que o trânsito não vai estar bom, o show é muito concorrido, mas pelo menos o ar condicionado vai me deixar mais relaxado, só preciso sair com antecedência.

O empurra-empurra na entrada do estádio me deu a sensação de estar no meio do instrumento de um sanfoneiro. Tudo bem. Lá dentro me senti como um visitante em um formigueiro. Milhares de pessoas vestidas de preto, todas aglomeradas e brigando pelo mesmo espaço.

Não sei se você já foi em um evento desse tipo, mas te digo, a espera é insuportável. Guardar posição então, pior ainda. Maldita hora para me dar sede. Não tem jeito, precisarei enfrentar a turba para chegar até o ponto de vendas.

Após usar toda a minha habilidade de contorcionista, cheguei até o ponto desejado. Antes que eu pudesse efetuar o meu pedido, visualizei algo que me chamou a atenção.

Ela estava parada próxima do corredor de acesso aos banheiros. Cabelos negros como as roupas de todos no local, batom combinando no tom, bem como o rímel e o lápis nos olhos. Um estilo new gótico, adorei. Ela segurava um copo e me ofereceu. Quem recusaria? Eu não. Nem cheguei a efetuar o meu pedido, preferi unir o útil ao agradável, mas para minha surpresa, não era água o líquido contido no copo. Nem liguei. Não foi preciso trocar muitas palavras, de forma quase que imediata, já estávamos nos enroscando no aperto daquele corredor, que mundo sem espaço...

No dia seguinte.

Acabei de acordar, estou pensando há alguns minutos, tentando encaixar as idéias, nem me lembro do show, que raios de bebida deveria ser aquela? E aquela garota? Não importa. Não consigo abrir os braços, não consigo erguer as pernas, minha cabeça resvala em algo, bem como meus pés. Está tudo escuro. Muito estranho. Estou apertado, completamente entalado. Sinto uma ardência em meu corpo, meu pescoço...que sede é essa? O que é isso espetando meus lábios? Meus dentes...acho que estou preso em um caix....ah não! Era só o que me faltava...

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Réplica dos amigos e escritores:

Suzana Barbi:

http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/1520524

Josadarck

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Álvaro Luís:

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Maith:

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Flávio de Souza
Enviado por Flávio de Souza em 02/04/2009
Reeditado em 22/03/2010
Código do texto: T1518657
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