O DESERTO DE SI

Luaesol pisca... Abre seus olhos e simplesmente se vê em um deserto junto com outras pessoas desconhecidas. Está preso em uma imensidão repleta de horizontes, e talvez por isto, não se pergunta o motivo de tal cárcere.

Ainda atordoado, vislumbra ao final de todos os horizontes imensas dunas que se desfazem e refazem umas sobre as outras numa fabulosa dança com os ventos, ao seu redor homens e mulheres aos sussurros ou aos gritos arrebanham pessoas e assim surgem pequenas procissões.

Depois de muito andar em círculos, já quase sozinho, Luaesol resolve seguir um dos líderes. Ouve suas promessas e acredita que ele sabe para onde vai, agarra-se a tal confiança e acompanha a procissão. É o último da fila, anda meio desligado, segue um líder que nunca vê por um tempo que lhe parece séculos. É assim até o dia em que seu líder subtamente cai morto e a areia encobre o cadáver, logo todos param enquanto outros deitam no chão se entregando a única certeza... Luaesol está a um passo de se entregar! Então surge um novo líder, diz algumas palavras, faz todas as promessas e toma o caminho contrário sendo seguido por todos, exceto por Luaesol que decide fazer o que viu poucas pessoas fazendo. “É, vou enfrentar a imensidão trilhando meu próprio caminho sem rumo certo... Sem rumo errado”, fala consigo mesmo assistindo a procissão voltar.

Todos os dias uma nova formação de dunas se apresenta junto aos horizontes ou horizontes novos se apresentam junto às dunas, é impossível precisar. Fortes ventos de areia encerram a noção de espaço e tempo... “Só posso mesmo é continuar”, pensa enchendo seu coração de esperança.

Escolhe acreditar no seu caminho não delineável e vai, alimenta-se de férteis pomares de silêncio enquanto corta a planície de areia. Caminha por algum tempo até ver vultos, é uma procissão que vem ao seu encontro, ele não se surpreende quando pensa em se juntar a ela e voltar. Mas quando cruza com o líder e olha em seus grandes olhos anuviados reafirma seus passos continuando a encarar o ambiente inóspito, opondo-se contra todos os ventos.

Mais adiante vê outra procissão indo à sua frente, no mesmo rumo. Luaesol mantém seu ritmo, aproxima-se despreocupado em competir pela liderança, mas logo ultrapassa sendo seguido por todos exceto pelo líder, um velho que parece mergulhado em um transe onde está cego por poder. O velho só percebe que perdera seu rebanho depois de certo tempo, quando olha para traz a fim de saciar sua sede e não os vê. Então sai em arrancada.

Luaesol não é homem de certezas e sim de dúvidas, tenta despistar os seguidores, mas eles confiam nele apesar de não ter dito uma única palavra. Então olha pra trás, sente a confiança cega das pessoas e decide deixar que o velho reassuma a liderança. “Não posso ser derrotado uma vez que não busco a vitória.”, pensa já diminuindo o ritmo e antes de parar uma mulher grita algumas promessas, corre e faz uma curva de noventa graus para a esquerda sendo seguida pelo rebanho. O velho persiste atrás deles e em instantes ultrapassa a mulher conduzindo todos em um ritmo velocista, porém não pode suportar por muito tempo. É quando um garoto descobre que é capaz de manter o ritmo enquanto o velho líder já diminui, o jovem assume a liderança e faz outra curva de noventa graus para a esquerda voltando de encontro com Luaesol que assiste toda a cena com curiosidade... O jovem líder, ao contrário do velho, olha para trás constantemente, Luaesol só vê seus olhos depois que ele passa, estão radiantes e deslumbrados, o garoto está perdidos na confiança dos seguidores. Antes de desaparecerem Luaesol dá as costas e segue seu caminho.

Prossegue consigo mesmo até avistar muitos vultos, aproxima-se furtivamente e vê pessoas rodeando um cadáver, são mais de cem... A maioria está absolutamente entregue, isso o desanima, mas antes de perdê-los de vista enxerga uma garota se afastando sorrateiramente para tomar seu próprio caminho. “Maravilhoso!”, um grito de ânimo.

"Não obedecer, não dominar... Nem a mim mesmo.”, é a água que sacia sua sede sob o sol escaldante, é o fogo que alimenta seu espírito sob a lua gelada...

Agora não vê mais procissões! Enxerga outras pessoas caminhando sozinhas, sempre troca cumprimentos e mesmo dentre toda a poeira elas retribuem o gesto... Algumas andam por heras ao seu lado, cada um respeitando o caminho do outro.

Volta a caminhar acompanhado apenas por si mesmo através de um tempo incalculável, seu corpo cansado se desloca cada vez mais firme até finalmente chegar às dunas.

Parece ser um novo dia, o vento está ainda mais desafiador e baila com as dunas diante seus olhos, não sabe como subir, nem é capaz de imaginar o tamanho das dificuldades, ou mesmo se é possível. Então apenas sobe.

Não parece demorar muito e está no topo. “É inacreditável!” Do outro lado vê um oásis. Não se ilude e continua caminhando, foi tudo que pôde alimentá-lo e hidratá-lo naquela imensidão árdua e não quer dispensar tamanha fonte de energia. Desce a duna olhando para as montanhas que surgem junto dos novos horizontes, adentra no oásis, mergulha em suas águas, celebra com amigos, deita-se com as ninfas e caminha para além de oásis, desbravando desertos rumo a horizontes ilimitados!

Luaesol pisca... Abre os olhos... Enxerga-se de volta às ruas...

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