O Sonho Romântico Acabou
Fui a pé até a praça Franklin Roosevelt, peguei a avenida Ipiranga, passei pela igreja Nossa Senhora da Consolação e fiquei esperando Telma saltar dos ônibus. Ela trabalhava numa imobiliária, pegava dois ônibus para chegar ao trabalho bem cedo. Morava com os pais na periferia, numa casa pobre e cinza. Eu jurei que nunca mais ela teria que pegar ônibus na vida. Que iríamos casar na Igreja Nossa Senhora da Consolação. Que lhe daria casa amarela, comida e roupa lavada. Ela disse que dinheiro não comprava um coração. É, ela não me amava. Mas a minha persistência era tenaz. Eu fazia aquele trajeto todos os dias religiosamente, praça Franklin Roosevelt, Nossa senhora da Consolação. Até que um dia ela cedeu.
—Continuas um romântico. Tu me pegas pra jantar então?
Estava marcado. Ela havia dado o disparo, eu só tinha que nadar como um louco até a outra margem. Sabia que não teria outra chance.
Era noite. Eu morava num prédio de apartamentos perto da rua Augusta e quando ia saindo com o carro da garagem, uma mulher fez sinal pedindo carona, uma mulher esquisita, ela usava uns cílios grandes brilhantes. Com medo do travesti? Parei o carro, voz de falsete, a bicha louca colocou um cano no meu pescoço e levou o carro. Puta que pariu!
Logo cedo, vesti o meu palito ruço e fui ate a editora. Marta disse que a sinopse do meu novo livro estava uma merda.
—Você se esqueceu daquilo que eu te disse?
—O que você disse?
—Como?
—Me desculpe. Não me lembro mais. Ou melhor, não me leve a mal.
Estava com algum tipo de bloqueio. Havia uma coisa dentro de mim. Mas que exploda! Não aguentava mais aquilo. Advogados adoram reuniões. Historias de táxi viram telenovelas. Não posso fazer isso. Digerir uma historia idiota, tragando tudo sem filtro de baixo teor.
Levantei-me e fui embora. Mas antes...
—Qual o problema com essa merda?
—Qual o problema?! Você quer que eu te diga qual é o problema? Tudo bem. Isto é uma editora infantil, publicamos livros infantis, você não pode assassinar um palhaço de circo!
Havia tiras na minha porta logo de manhã.
—O senhor poderia nos acompanhar até a delegacia?
Fiz o que eles pediram. Eu não assassinei palhaço nenhum.
—Que merda ele está dizendo? — perguntou o delegado.
—Não sei doutor — respondeu o outro.
O delegado Arnaldo fungou e continuou:
—Encontramos o sujeito que roubou o seu carro. Queremos que você faça o reconhecimento.
O meu carro foi roubado por uma bicha louca. Os policiais me levaram até a sala e uma mulher gorda veio pra cima de mim e começou a me agredir.
—O que esta acontecendo com as pessoas? Dois anos de poupança. Todo mês lá, o dia inteiro suando o rego naquela loja, o dia inteiro!
—Não, não é ela, delegado — fui saindo.
Interrompeu-me o delegado.
—Eu sei. Esta é a senhora que comprou o carro da bicha, quando foi transferir os documentos do carro descobriu que era roubado. Quando a bicha foi descontar o cheque no banco, pegamos ela.
De carro fui procurar Daniele no colégio. Levei-a para dar umas voltas. Conheci Daniela a pouco tempo. Seu motorista havia me atropelado dias atrás, quase me arrancaram a perna, eu estava desempregado, haviam roubado o meu carro e a mulher que eu amava me odiava, a única coisa que me restava a fazer era perambular pelas ruas como um lunático. Ao me atropelarem, a menina e o motorista me botaram no carrão e me levaram para o hospital, a menina o tempo todo apertava a minha perna no banco de trás, fiquei excitado, ela percebeu, sorriu, o medico disse que não fora nada, que havia sido apenas uma torção, a menina me levou de motorista até a minha casa. Eu disse que não sabia como agradecer. Ela me achava bonito, achava que eu tinha cara de bandido. Ela falou no meu ouvido se eu conhecia o pó de pirlimpimpim.
Desci o morro a toda com o meu carro esporte.
—O que a gente foi fazer naquela favela? O que é aquele negocio que o cara te deu?
Joguei no colo dela. Ela riu.
— Isso é pó?! Voce está doido?! Nunca cheirei!
Daniele já estava mandando tudo pra dentro antes de eu dizer alguma coisa.
Passamos em frente à financiadora do pai dela. Voltamos e parei o carro.
—Buzina ai — disse, Daniele.
Soltei a mão, o maior estardalhaço, as pessoas todas irritadas. Quando homens de gravatas apareceram na vidraça do prédio, Daniele abaixou as calças e mostrou a bunda pela janela do carro.
Estávamos felizes. Não importava que eu escrevia mal à beça. Não importava que o pai dela era um banqueiro filho da puta. Uma coisa fascinante. Aquela menina era um demônio. Sentava no meu pau e penetrava-se com furor.
—A mulher que amo não quer mais me ver. Quando roubaram o meu carro, perdi o encontro da minha vida.
—Essa mulher é uma idiota. Essa mulher é uma...
—Não diga.
—Por quê?
—Gosto de você.
—Quanto?
—Muito.
—Muito mesmo?
—Eu assistiria você cagar sem sentir asco.
O meu prédio não tinha elevador. Desci o redemoinho de escadas ate o térreo. Atravessei a rua para usar o telefone publico em frente ao bar. Disquei o numero do escritório. Eu sabia tudo sobre ele, o numero do seu celular, o prédio de mármore onde trabalhava, o condomínio onde morava, o numero da sua caixa postal, o numero do telefone do seu odontologista.
A secretaria atendeu e depois de eu dizer um nome qualquer, ela disse com uma voz esganiçada que o doutor Gonçalvez não estava, eu disse que era sobre a filha dele, caso de vida ou morte.
—Aguarde um minutinho. — ela disse e depois — Ele vai atende-lo agora.
O doutor Gonçalvez pegou a linha e disse que estava cheio das piadas de Daniele e seus amigos. Fui duro, disse que quem estava falando era o bandido que seqüestrara sua filha. Ele riu no bocal do telefone e pediu provas. Eu disse para ele comparecer sozinho com o dinheiro nas escadarias da Igreja Nossa Se-nhora da Consolação. Depois mandei ele se foder e desliguei.
—O seu banheiro é um pinico. Molhei ele todo —disse Daniele —Você esqueceu de mandar montar o boxe? Droga, onde vou me trocar agora? Não consegui nem me enxugar direito. Feche os olhos ou fique de costas, vou me trocar. O que você esta fazendo?
—Lendo.
—O que?
—Ellroy.
—Você acabou de me seqüestrar e agora esta lendo James Ellroy? — ela me deu um beijo na boca — Será que o meu pai vai dar o dinheiro? Estou louca pelo pó de pirlimpimpim. Posso usar essa camisa sua? Não olhe droga! Belo cárcere esse que você foi arranjar. O quê? Cativeiro? É isso, desculpe. Vocês professores gostam de corrigir as pessoas, não é?
—Não.
—Não gostam?
—Não sou professor. Quem botou isso na sua cabeça?
—Meu Deus, é verdade, eu não sei nada sobre você...
—Agora senta nessa cama e fique quieta, se não vou ter que amarra-la.
Daniele tentou sair correndo, escorregou na toalha molhada e arrebentou com a cabeça no chão.
Fugi a pé pelas ruas, passei pela praça Franklin Roosevelt, peguei a avenida Ipiranga, passei pela Igreja Nossa Senhora da Consolação, o pai de Daniele estava lá com uma maleta preta nas mãos, dinheiro não comprava um coração, continuei andando e parei em frente a mobiliaria Silveira, esperava Telma saltar dos ônibus. Eu continuava um romântico.