BIG BROTHER DO BEM

BIG BROTHER DO BEM

SEMANA UM

Basílio Belisalvo Brasileiro destoava completamente dos outros integrantes daquele reality show. Passariam doze semanas juntos, isolados numa mansão fantástica, suportando provas ridículas, sendo eliminados um a um, até que só restasse o vencedor. Quando foram divulgados os doze selecionados, exibidos incessantemente nos intervalos comerciais da novela das oito, o público ficou sem entender nada. Afinal, não eram sempre rapazes “sarados” e moças “gostosonas” os selecionados? Aquele Basílio era o antípoda desse perfil: baixo, gordo, nariz e lábios grossos, cabelos ralos, orelhas de grandes lóbulos, enfim, parecia um Buda de porcelana, sorridente e bonachão. Alguns telespectadores arriscavam que ele fora selecionado apenas para cozinhar e cuidar da limpeza. Outros, que ele seria o “bobo da corte.” Os demais concorrentes acharam ótimo. Tinham certeza que ele seria eliminado na primeira prova, que o povo não gosta de ver gente pobre na televisão: um adversário a menos! Basílio, por sua vez, não pretendia provocar ninguém, sabia porquê estava ali.

Não se incomodava com a ironia ou a indiferença. Nos primeiros dias, o habitual de desfile de peitos, bundas e músculos na beira da piscina. Ele só tirava a camisa para tomar banho e dormir. Os casais já começavam a se formar e, como o número de participantes era par, alguma moça iria acabar desacompanhada, já que o “gordinho” não atraía ninguém. Mas a sua tranqüilidade, quase cândida, e a extrema disponibilidade para ouvir o outro foram tornando-o uma figura simpática, inofensiva, com quem era agradável conversar.

SEMANA QUATRO

Realmente, nos primeiros dias dedicou-se com desvelo a todas as tarefas domésticas: arrumava a casa, cozinhava, lavava os pratos, varria, sem a menor reclamação. Em momento algum questionou a indolência dos seus companheiros, que apenas cuidavam em desfrutar das mordomias oferecidas pelos patrocinadores. Três concorrentes já haviam sido eliminados e Basílio continuava a sua rotina diária, sempre com um sorriso no rosto. Ao final do dia ou nos intervalos, sempre tinha uma palavra de solidariedade ou encorajamento para dedicar aos demais.

Até que um de seus supostos adversários revelou seu primeiro incômodo. Não era justo estarem a explorar alguém tão solidário. Intrigado, perguntou:

— Belisalvo, por que depois de tantos dias você continua a fazer as tarefas da casa, mesmo sem nenhum de nós ajudá-lo?

— Os homens todos se assemelham por natureza; eles se fazem diferentes pelos hábitos que adquirem — respondeu, sorridente.

A partir daquele dia os integrantes da casa estabeleceram uma divisão de trabalhos, eqüitativa, onde todos passaram a colaborar.

SEMANA SEIS

Os subgrupos rivais já começavam a se formar e todos queriam cooptá-lo. Em certo momento, Araújo, um dos articuladores, chamou-o para uma conversa em particular. Queria seduzi-lo com promessas vazias, colocando-o contra outras pessoas.

— Tenha cuidado com tuas palavras e com os teus atos, e não pense que porque estás sozinho, não és visto nem ouvido, observou Belisalvo. — Lembra-te que os deuses estão em toda a parte!

Subitamente Araújo acordou para o fato que, naquele momento, milhões de olhos o observavam. Saiu cabisbaixo. Nem ele nem os demais voltaram a importuná-lo.

SEMANA OITO

Pela primeira e última vez Belisalvo deu uma demonstração de irritação. Ao ver um dos concorrentes ser discriminado por sua condição racial por outro adversário, não hesitou em partir para a sua defesa, dando uma significativa lição de moral no ofensor. Passado aquele momento, Carla dirigiu-se a ele:

— Beli – ela assim o tratava, carinhosamente – nunca vi você irritado assim! Foi muito legal, de sua parte. Jamais pensei que você tomaria atitude semelhante!

— Se um homem não resiste ao menor ato de injustiça, cedo ele se encontrará face a face com grandes erros – respondeu ele, serenamente.

E à medida que o número de concorrentes diminuía, mais aumentava a admiração do público por aquele homem simples. A emissora exultava com o aumento da audiência, não mais para ver a disputa sem princípios, habitual nos programas anteriores, mas para ouvir as sempre sábias palavras de Belisalvo.

SEMANA DEZ

Mas nem tudo eram flores. A inveja minava o coração de Elisberto. E tanto ele articulou que acabou conseguindo provocar uma disputa direta entre os dois: um deles seria eliminado. Belisalvo não se abalou em nenhum momento.

— Você não está tenso pelo que poderá acontecer, Beli? – perguntou Carla.

— Se são consideradas as ações de um homem, se são observados os motivos que o fazem agir, se é examinado o que o torna feliz, poderá ele esconder o que é? – respondeu, tranquilamente.

SEMANA ONZE

Belisalvo passou por mais aquela etapa. Agora só restavam mais dois adversários: Araújo e Carla. A admiração dos telespectadores por ele aumentava cada vez mais. E não apenas isso. As autoridades policiais começaram a notar que os índices de criminalidade em todo o país diminuíam, cada vez que o programa entrava no ar!

A emissora decidiu abrir uma excessão: a cada programa sortearia cinco perguntas dos telespectadores, endereçadas a Belisalvo, que as responderia. Na primeira semana foram recebidas 253.457 cartas e e-mails para ele. A primeira pergunta sorteada foi: “Como você se sente em estar chegando à final com duas pessoas tão diferentes?” A sua resposta surpreendeu a todos:

— Se eu viajasse com dois companheiros - um virtuoso, outro de mau proceder - todos os dois me serviriam de mestres. Eu examinaria o que o primeiro tivesse de bom e o imitaria; os defeitos que reconhecesse no outro, procuraria corrigir em mim mesmo.

SEMANA DOZE

Araújo foi eliminado. Restaram apenas Belisalvo e Carla. Ela chorava todos os dias, abraçada ao amigo, pois sabia ser ele o merecedor do primeiro lugar e não desejava esse confronto final com aquele homem que tanto aprendera a admirar.

— Não se confine na obscuridade, mas procure merecer a fama –- ele a consolava.

Enfim, chegou o grande dia da votação final. O que se viu diante das câmeras jamais aconteceu, nem jamais se repetiria. Cada finalista pedia ao público que votasse no seu adversário! Os telespectadores entenderam que se podiam, de alguma forma, retribuir a Belisalvo tudo o que ele fizera de bom, seria realizando a sua única vontade: ver a amiga vitoriosa. Unanimemente todos os 85.297.264 votos deram a vitória a Carla.

— Eis aqui não apenas um herói, mas um verdadeiro sábio! – disse o sorridente apresentador do programa, em sua última fala.

— O que se sabe, saber que se sabe; o que não se sabe, saber que não se sabe; esta é a verdadeira sabedoria. Nada do que falei me pertence. Quinhentos anos antes de Cristo, assim falava Kung-fu-tzu. A ele pertence toda a sabedoria. – foi a última mensagem de Belisalvo.

Cinqüenta entidades beneficentes, naquela semana, receberam uma doação anônima de dez mil reais, cada, coincidentemente totalizando o prêmio de quinhentos mil reais, pelo segundo lugar, recebido por Belisalvo.

A direção da emissora decidiu encerrar definitivamente o programa naquele ano. Em seu lugar, uma série de matérias sobre a História do Pensamento começou a ser exibida.