Desventuras de um ex-boneco de neve V

"Oh! Doces sonhos... Melhor seria se não fossem sonhados;

Na boca são doces como mel, mas no estômago amargam como fel."

Ele tinha medo, ele tinha fome, frio, estava sozinho, perdido, o mundo crescia ao seu redor, ele não sabia aonde ir, procurara tanto uma mãe e nada.

E chovia, chovia muito, ele tinha medo da chuva, foi se esconder num galpão abandonado, mas havia outros lá, eram crianças também, mas tinham algo estranho no olhar, estavam sujas, tinham os cabelos grandes despenteados, porque elas eram assim? Pensou o ex-bonequinho, não lembrava de ter visto crianças assim, as crianças que iam à grande loja onde antes ele ficava enfeitando à, eram bonitas, sempre limpas e todas tinham mãe, então ele olhou para si, e viu que de longe ele se parecia com aquelas crianças que vira na loja, na verdade estava quase igual as crianças à sua frente, Pois suas roupas estavam rasgadas, molhadas e sujas e seus cabelos, embora estivessem curtos, estavam bem despenteados. Será que elas também estão procurando uma mãe? Aproximou-se mais para lhes perguntar, mas antes mesmo de dizer qualquer coisa um dos meninos deu lhe um empurrão, fazendo as suas costas estalarem com tudo na parede, com uma das mãos segurou-o pelo pescoço deixando-o sem ar e com a outra apertou um canivete em seu queixo, e disse:

---U que cê qué muleque?

---É! Ta imbaçando na área purque? Disse um outro.

---E... eu, estou procurando uma mãe. Disse o ex-bonequinho, engasgado.

---Cumé? Perguntou o que lhe segurava contra a parede.

---Tá de sacanagem, lombriga azeda? Disse uma menina sem dentes.

---N... não. Respondeu o ex-bonequinho já chorando.

---O Marola, sorta u muleque! Antes que ele morre sem ar. Disse uma das meninas que parecia ser a mais velha, ela era negrinha como uma noite sem luar, tinha os cabelos parecidos com esponja de aço, e um único olho.

---Fica na tua Caolha, não se mete não! Respondeu Marola.

---Cê vai matá o muleque, qué a polícia na sua cola de novo?

Marola olhou feio para Caolha, mas soltou o menino.

---Tá cum fome? Perguntou Caolha.

O ex-bonequinho fez sim com a cabeça.

---Óia aqui Caolha cê num vai dá cumida pra essa lombriga aí não. Falou a garota desdentada.

---Essa cumida é minha, foi eu quem consegui i dou pra quem eu quizer. Disse Caolha, olhando para todos com seu único olho de um jeito tão desafiador, que ninguém ousou dizer nada, logo em seguida ofereceu ao ex-boneco, um pão com manteiga.

---Óia que num é todo dia que se tem um pãozinho desses não, tem inté mantega.

O pão estava duro, mas ele o comeu agradecido.

---Como tu chama? Perguntou Marola, com ar de poucos amigos.

---É... eu... eu não tenho nome.

---Ele não tem nome! Ele não tem NOME! Cantarolou um dos meninos, e todos riram.

---Mas... Quando eu achar uma mãe, ela vai me dar um. Respondeu na defensiva. Agora o coro de risadas foi maior.

---Que história é essa de mãe, Lombriga? Perguntou Marola.

---Ué! Estou procurando uma.

Como se isso fosse possível, as risadas ficaram ainda mais altas e cruéis, mas Caolha não riu, Caolha estava séria, e foi muito séria que ela falou.

---Óia Lombriga, cê eu fosse ucê num queria mãe não, elas num presta.

---Não você esta enganada! As mães são muito boas, elas dão chocolates quentes pras crianças. Respondeu o agora Lombriga, cheio de convicção.

---Num dão não. Disse Caolha passando a mão pelo olho ausente, seu outro olho brilhava num ódio silencioso.

sutini
Enviado por sutini em 27/03/2009
Reeditado em 07/04/2009
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