OIA O ANTA
OIA O ANTA
O amanhecer na Vila de São João era lindo, porque os galos cantavam anunciando a aurora e os passarinhos faziam um coro afinadíssimo, mas o povo acostumado aquilo todos os dias continuava a dormir, indiferentes a bucólica e sonora beleza matinal, mas ai se ouvia aquele grito retumbante: oia o Antaaaa.
E esse grito se repetia pelas ruas da vila e não tinha como continuar dormindo, porque quem gritava era um negro enorme, forte e que se chamava Batiscunha, mas que se auto denominava o Anta e era um vistosa figura com sua calça de brim kaki, camiseta vermelha e lenço verde amarrado ao pescoço.
Para completar a elegancia matinal, ele usava um anel de latão em cada dedo e um cinturão muito largo de couro cru com varias bolsinhas, que ele chamava de guaiaca; nas costas poderosas ele carregava um grande tabuleiro de madeira cheio de cortes de carne de boi e de porco que ele comerciava na vila.
Ele ia antes do sol nascer para o velho matadouro do lugar, esperar o abate do único boi do dia e de alguns porcos e de lá partia com seu tabuleiro abastecido e de longe se ouvia sua voz retumbante apregoando sua mercadoria da maneira pitoresca habitual e as donas de casa tratavam de se levantar rápido.
Era a única oportunidade de se comprar carne fresca e ele avisava aos gritos: é o Anta passanno, corre sás dona, que é agora só, daqui mucadinho num tem mais, oia o Antaaa; ele gritava e quando as mulheres saiam nas portas de suas casas de cara amarrotada, ele dizia: acorda dona é o Anta passano.
Durante mais de trinta anos o Anta acordou alegremente a comunidade da Vila de São João; inverno ou verão, ele chegava sempre de manhã bem cedinho para garantir o bife ou outro pedaço qualquer de carne para o almoço da população, ele madrugava porque naquele tempo o almoço era as nove horas.
Como a velhice e as doenças chegam para todos, chegaram também para o alegre Anta, que bem idoso e enfermo, se assentava ao sol na pracinha e passava o tempo contando causos de suas andanças com aquele tabuleiro de carne, as vezes ainda gritava de brincadeira e para espantar as saudades: oia o Anta, o Anta tá chegano sás donas.
Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}
Texto registrado no EDA