Escultura
Era uma rocha, apenas. Apresentava-se como quem ainda era uma parte, e não um todo: ela ainda não sabia ser nada além de uma simples rocha, apenas sentia que era diferente das demais. Mas não sabia explicar o porquê.
Seus traços eram rígidos: eram tão descompromissados que nem chamavam o olhar.
Ela queria ser diferente, e não conformar-se em ser uma simples rocha para sempre, assim como todas as outras. E, pensando nisso, ela nem notou quando o Artista resolveu reclinar-se sobre ela.
Mas foi justamente ele quem a viu de verdade pela primeira vez.
Quando a encarou bem de perto, ele vislumbrou que dentro de toda sua rigidez havia um brilho alaranjado que pulsava. Não teve dúvidas de que aquela rocha merecia seus esforços de artesão.
Ele tinha mãos macias, que arriscaram desenhar sobre a aspereza daquela superfície. Ao invés das mãos se ferirem, foi a rocha quem cedeu: a suavidade daqueles gestos penetrou em cada sulco, e amaciou pequenas imperfeições eclodidas em sua textura. Ele prosseguia acreditando que nada nela era implacável, e ela esforçava-se para que os toques daquele Artista fossem cada vez mais transformadores.
Ele sabia disso, e por isso investiu na beleza bruta que seus poros exalavam. Ele não quis conformar-se com uma pedra fosca, e por isso transformou-a em Arte.
O Artista entregou-a seu tempo, e ela aceitou humildemente. Ele depositou com brandura sobre ela palavras e toques, e ela entregou a ele tudo de mais colorido que havia dentro dela: esmeraldas e raios de sol.
Era fascinante a poesia de seus gestos. As mãos leves e ao mesmo tempo poderosas, cada movimento perfeitamente encadeado, como uma dança ao som da melodia perfeita do Universo.
Paciente como um beija-flor, ele soube entalhar cada detalhe novo àquela textura outrora tão rudimentar. Rodeava-lhe aos poucos, enfeitava seus cantos mais obscuros, refinava-lhe os traços, e suavemente dava a ela a chance de ser um todo, e não apenas mais um pedaço.
Com sabedoria moldava novas curvas, antes inimagináveis àquela tão sólida rocha. Pois que sua dureza não era assim tão incontestável, e agora o Artista respondia com a sua obra àqueles que antes lhe disseram que ele não sabia o que estava fazendo.
Ele entregava-lhe toda técnica e todo seu talento, e ela absorvia-os como uma aprendiz, tornando-se parte dele.
Minuciosamente, foi-se construindo uma nova forma. Ela tornou-se o que havia de melhor dentro dela mesma: lapidando pacientemente a rocha mais bruta, o Artista fez brotar dali uma delicada escultura, que atraía o olhar de todo ser com alma sensível.
E assim, foi ele quem desvelou aos poucos a pulsão viva que estava no âmago de sua obra, e finalmente seu brilho intenso invadiu tudo ao redor.
O Artista sorriu para sua obra, e ela brilhou intensamente para ele. Agora, a luz alaranjada era mais intensa, e aquecia o coração de quem a pudesse ver.
As ondas do mar eternizaram a inédita beleza que o Artista talhou, o sopro do vento deu-lhe vida, e ela aprendeu também a passear pelo mundo transformando rochas tímidas em esculturas exuberantes.
E o mundo nunca mais foi o mesmo...