COW BOYS
COW BOYS
“...agora eu era o herói,e o meu cavalo só falava inglês..." (Chico Buarque de Holanda).
Eu era o Apache Kid. Mocinho renegado, meio índio/meio branco. Espingardinha de mola, cano de lata e coronha de madeira vermelha. Uma pena de pato enfeitando a cabeça. O Zé Carlos era o Zorro americano. Aquele que dava tiros com balas de prata e tinha o cavalo Sílver. O Sérgio era o índio Tonto. A gente sentava na porta de casa e ficava matando quem passava em frente.
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E quem morava bem frente à minha casa era a Bila, uma senhora fisicamente saudável, amiga de minha mãe, mas que sofria ataques que lhe causavam desmaios. Acabou sendo internada em uma instituição para doentes mentais.
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Naquele dia estávamos impossíveis. Matamos a rua toda, menos o Gildo, que era nosso amigo. Ele teve meningite na infância e, em conseqüência, continuou criança até morrer, depois dos cinqüenta anos. Era, homem de trinta, mais criança do que a gente. Deve ter sido muito feliz. Com um cabo de vassoura, servindo de cavalo, ele corria pelo quarteirão. Era o nosso batedor.
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Depois ficamos cansados, mas criança não para. Pegamos nossos caixotes e montamos nossa banca de gibis. A gente vendia e trocava. Saiam ótimos negócios. O meu predileto era o do Fantasma, o espírito que anda. Achava o Capitão Marvel parecido com o meu pai. As mesmas sobrancelhas e as mesmas ondas nos cabelos. Também gostava do Mandrake, mas achava que o seu parceiro, o Lotar, parecia muito com o Avestruz, um mulatão, conhecido homossexual em toda a cidade. Mais tarde, na faculdade, li uma tese sobre nossas duplas de heróis. Um estudo profundo, revelando verdadeira veadagem entre eles. Mas este é assunto para especialistas da área, não para este cronista. Mas que até hoje suspeito do Lotar e do Mandrake, suspeito. Afinal, um rei de uma tribo africana deixar as suas mordomias e sair pelo mundo seguindo um mágico, como empregado, causa espanto. Acho que a princesa Narda entra na estória apenas para despistar.
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De repente a Bila aponta na esquina, onde havia um barzinho. Na frente do bar, garrafas de vidro quebradas, brilhando, esparramadas pelo chão.
O Zé Carlos disse: - depressa, vamos matar a Bila!
Peguei a espingardinha, puxei a mola, carreguei com a rolha, apontei e apertei o gatilho. Coincidência. No mesmo instante a Bila teve um desmai. Despencou sobre os cacos de vidro. Sangue jorrando pela calçada.
Ficamos o resto do dia escondidos nos fundos da horta.