Bodas de Irene.
...entre a ante câmara e a galeria de pequenos quartos cabia uma vida inteira.
Agora cada peça de roupa abandonada no chão contava um retalho da história de M.; as vitórias passageiras, o destino inexorável e um inventário de perdas.
A cerimônia do abandono das vestes, o corte dos cabelos e a aceitação dos votos era um capítulo do enfrentamento da paixão pela vida plena e a resignação a um sacerdócio evasivo. Havia um contexto de fuga e armadilha que conspirava desde o princípio, roubando-lhe possibilidade de escolha.
Vivera sempre oscilando entre o inesperado e a fé plausível; seguia os rituais contidos na cultura de sua família. Vivia a religião como um refúgio, desde a ignorância dos seus ritos até a total dispersão dos seus significados diante do frenesi contemporâneo, sofria com o seu tempo.
Sentia-se prostrada diante de tudo que se opôs aos seus desejos, submetida pelas derrotas impostas por um juízo implacável e resignada diante do conforto do anonimato.
Banhava-se na esperança de se livrar de tudo. A poeira do cotidiano, o vazio da ausência de amor, um pesar que agora se travestia de castidade, tentando disfarçar esta aridez como uma trágica virtude.
O amor que fora negado temperava-se na solidão e sucumbia na solidariedade por anônimos e por ignorados; era preciso habitar os rejeitados aceitar-se entre desassistidos e preencher este abismo sem fundo pela ausência de eco nas orações.
A vida construiria um curso menos ardente, contido nas promessas de passado versus absolvição. Viveria um amor de indulgencias tão etéreo que poderia se mostrar difuso seria possível amar o leão, o cordeiro e, ainda, chorar pelos dois.
A vida se apresentava apartada de sua consciência, a escolha que lhe cabia era um sim, única opção numa boda de esquecimento e silêncios.
Então Irmã Irene adentrou no corredor da clausura pela primeira vez.