A esposa de Éfeso
Petrônio
Tradução: Luciana Oliveira
Em Éfeso havia uma esposa com tal fama de honesta, que até as mulheres dos países vizinhos iam conhecê-la. Ela perdeu o marido e não se contentou, então correu atrás do corpo com os cabelos em desordem, como é costume entre o povo. Dando golpes no peito desnudo diante dos olhos de todos, foi atrás do seu finado marido até sua tumba e logo após ter sido depositado, segundo costume dos gregos, se devotou a velar o corpo e a chorá-lo dia e noite. Seus pais e familiares não puderam fazê-la cessar aquela atitude que, levada ao desespero, havia de morrer de fome. Até os magistrados desistiram do intento ao verem-se expulsos por ela.
Todos choravam, dando quase como morta essa mulher que dava exemplo sem igual, consumindo-se há cinco dias sem provar bocado. Uma serva muito fiel a acompanhava e compartilhava seu pranto e renovava a chama da lamparina, que iluminava o sepulcro, quando começava a se apagar. Na cidade, não se falava outra coisa que não esta abnegação, e homens de toda condição social a davam como exemplo único de castidade e amor conjugal.
Àquela época, o governador da província ordenou crucificar vários ladrões próximo à tumba onde a esposa chorava, sem interrupção, a recente morte do seu marido. Durante a noite seguinte à crucificação, um soldado que vigiava as cruzes para impedir que alguém descravasse os corpos dos ladrões para sepultá-los, percebeu uma luzinha que brilhava entre as tumbas e viu os lamentos de alguém que chorava. Levado pela natural curiosidade humana, quis saber quem estava ali e o que fazia. Desceu à tumba e, descobrindo uma mulher de extraordinária beleza, ficou paralisado de medo, crendo estar frente a um fantasma ou a uma aparição. Mas quando viu o cadáver estendido e as lágrimas da mulher, seu rosto arranhado foi desvanecendo sua própria impressão, dando-se conta de que estava diante de uma viúva que não achava consolo.
Levou à tumba seu magro jantar de soldado e começou a induzir a aflita mulher para que não se deixasse dominar por aquela dor inútil, nem encher seu peito com lamentos sem sentido.
– A morte – disse – é o fim de tudo o que vive: o sepulcro é a íntima morada de todos.
Ele recorreu a tudo o que se pode dizer às almas perpassadas pela dor. Porém, esses conselhos de um desconhecido a exacerbava em seu padecer e ela golpeava mais duramente o peito, arrancava mechas de cabelo e se jogava sobre o cadáver.
O soldado, sem desanimar-se, insistiu, tratando de fazê-la provar seu jantar. Ao fim, a serva, tentada pelo aroma do vinho, não pôde resistir ao convite e estendeu a mão ao que lhe era oferecido, e quando recobrou as forças com o alimento e a bebida, começou a atacar a teimosia da sua ama:
– De que te servirá tudo isso? – lhe dizia. – Que ganhas com deixar-te morrer de fome ou enterrada, entregando tua alma antes que o destino te peça? Os despojos dos mortos não pedem loucuras semelhantes. Volta à vida. Deixa de lado teu erro de mulher e goza, enquanto seja possível, da luz do céu. O mesmo cadáver que está ali tem que bastar para que vejas o belo da vida. Por que não escutas os conselhos de um amigo que te convida a comer algo e não te deixando morrer?
Ao fim, a viúva, esgotada pelos dias de jejum, depôs sua obstinação e comeu e bebeu com a mesma ansiedade com que antes havia feito a servente.
Sabe-se que um apetite satisfeito produz outros. O soldado, entusiasmado com seu primeiro êxito, investiu contra a sua virtude com argumentos semelhantes.
– Não parece mal nem odioso este jovem – dizia a esposa, que antes era acusada pela serva, que o repetia:
– Resistirás a um amor tão doce? Perderás os anos de juventude? Por que esperar mais tempo?
A mulher, depois de haver satisfeito as necessidades do seu estômago, não deixou de satisfazer este apetite... e o soldado teve triunfo. Deitaram-se juntos no chão essa noite e também no dia seguinte e no outro, fechando bem as portas da cripta, de modo que se passasse por ali um familiar ou um desconhecido, acreditaria que a fiel esposa estaria morta sobre o cadáver do seu esposo.
O soldado, encantado pela beleza da mulher e pelo mistério desse amor, comprava o melhor que seu bolso permitia e, ao cair a noite, levava ao túmulo. Porém, um dos parentes dos ladrões, tendo notado a falta de vigilância noturna, descravou o cadáver de um dos seus e o sepultou. O soldado, ao descobrir no outro dia uma cruz sem o morto, temeroso do suplício que o aguardava, contou o ocorrido para a viúva.
– Não, não – lhe disse. – Não esperarei a condenação. Minha própria espada, adiantando-se à sentença do juiz, castigará o meu descuido. Peço-te, minha amada, que, uma vez morto, me deixas nesta tumba. Põe teu amante ao lado do seu marido.
Mas a mulher, tão compassiva como virtuosa, lhe respondeu:
– Que os deuses me livrem de chorar a morte dos dois homens que tenho mais amado! Antes crucificar o morto que deixar morrer o vivo.
Uma vez ditas essas palavras, fê-lo tirar o corpo do esposo da tumba e colocá-lo na cruz vazia. O soldado usou o engenhoso recurso e ao dia seguinte o povo se perguntava como um morto poderia ter subido até a cruz.
Confia teu barco aos ventos
Mas jamais o teu coração a uma mulher
Porque as ondas são mais firmes
Que a fidelidade da mulher.
Não há nenhuma mulher boa
Ou se alguma vez o tenha sido
Não compreendo como algo mau
Pôde ser bom alguma vez.