Produção do Tempo - Sétimo dia

Sétimo dia. Um jardim desce ao longo de uma avenida. Árvores estiveram ali sempre. Como esta noite ou este dia. A tarde à altura da luz. Sempre existiram. A tarde e a luz. As árvores. Digo, envolto num azul áureo, tudo sempre existiu. O mar espraiado como um vale. Há um lago onde ao domingo vai-se namorar ou ver o futuro reflectido num espelho. Outros escolhem a relva, narram em silêncio os sonhos. Os que olham os álamos, bebem água alguns e respiram o ar de flores roxas. Personagens distribuídos como pilares pelo verde de fundo. Digo, amanhã serão outros os personagens, paixões desmedidas, o mesmo céu sobre uma multidão anónima. Tudo sempre existiu à sombra das hastes da solidão. Bela imagem. É assim. Um jardim desce ao longo de uma avenida qualquer até ao mar de uma hora qualquer. Envolto num azul áureo, aves ilustradas no cristal dos olhos. Descreve os corredores onde a melancolia se esconde, os edifícios altos, avenidas fendidas como arestas, descreve essas fendas da vida. Depois. Serão outros, depois a manhã deslizando pela noite inevitável dos candeeiros tristes acesos. Tudo foi sempre assim. E quando fores ao encontro das estradas rosáceas entre margens ebúrneas terás de tudo a vulgar paisagem do que sempre foi. Um terraço longínquo será um terraço longínquo, imaginas figuras dançando ao crepúsculo e os lábios débeis da aurora que virão com a sua mecânica de iluminação. O olhar profundo dos cães, ombros debitados no futuro, querer a esperança ao alcance de um toque digital. Sétimo dia, fiz o mundo, nunca descansei, nem os olhos, nem os dedos. Árvores de bronze ao vento, um vale para crescer à sombra dos plátanos, abrir as pálpebras na efusão dos instantes. É assim. Um jardim desce ao longo de um lago, o ar à altura da noite, narram as imagens aos instantes verdes de qualquer sonho e os edifícios longínquos são um espelho de álamos pela manhã. Outros olhos de vidro.

Tudo foi sempre assim.

Bela imagem. Ver descer os outros a avenida. Ver tudo.

Ter desejo de narrar.

Estar descrito na descrição.

As imagens nos narram.

É assim.

Desce a avenida, alguém, não sei quem é, desço a avenida, um outro de alguém que me vê descer entre jardins a avenida.