FALANDO FRANCÊS
FALANDO FRANCÊS
Menina ainda Corine já falava francês, sua avó materna veio da França muito jovem acompanhando uma companhia de operetas e como era péssima cantora foi abandonada no Rio de Janeiro pela companhia e precisou se virar e se deu bem, porque um fazendeiro do interior de Minas se encantou por ela e a trouxe na bagagem quando voltou para o interior.
Dois anos depois a bela Nadine engravidou e amarrou de vez o ricaço que se casou com ela; quando a filha do casal nasceu ganhou o nome de Charlene e suas primeiras palavras foram ditas em francês ensinado pela mãe, a menina cresceu, namorou, se casou e dela nasceu Corine que também falou as primeiras palavras em francês ensinadas pela avó.
Bonita Corine não era, mas durante a infância esse detalhe passava despercebido, mas quando cresceu a feiúra veio à tona e ela foi se tornando arredia e cheia de manias, porque nunca conseguiu um namorado e ficou eternamente solteira e frustrada, para piorar a riqueza da família se esvaiu em viagens a Europa e gastos exorbitantes com jóias, roupas e muito luxo.
Aos poucos Corine perdeu os avós e depois seus pais e como não tinha irmãos ficou só na antiga casa da família, mas foi obrigada a vendê-la para sobreviver e aos poucos foi vendendo tudo de valor que possuía; aos trinta anos ela foi obrigada a trabalhar como professora de francês para os filhos dos ricos da cidade de São Francisco do Descampado.
Para sua sorte naquela época era muito elegante falar francês e por isso alunos não faltavam, mas depois das aulas ela afundava na mais absoluta solidão; durante mais de vinte anos Corine deu aulas e ficou só porque era feia e não era uma pessoa sociável e nem agradável, passava o tempo lecionando ou lendo romances de amor, o que no seu caso era a pior escolha.
De repente essa vida solitária cobrou seu preço: Corine ficou estranha, se recusava a falar português e tinha surtos psicóticos, tirava toda a roupa, subia no peitoril da janela e com uma velha bandeira francesa na mão esquerda cantava a Marselhesa e com a mão direita saudava os passantes com caprichadas continências, os vizinhos socorriam a coitada e vestiam suas roupas.
Cuidar de Corine o tempo todo era impossível, pois todos tinham suas ocupações, o jeito foi interná-la em uma clinica psiquiátrica de Belo Horizonte e deixar o pessoal especializado de lá resolver o problema; médicos e enfermeiras da tal clinica não falavam francês e como a enferma se recusava a falar português, foi preciso arranjar alguém poliglota.
Por sorte um professor de francês que morava perto ficou sabendo do problema e se ofereceu para prestar seus serviços sempre que era preciso falar com a paciente, essa dificuldade só terminou com a morte de Corine dois anos depois; ninguém chorou por ela e na clinica todos suspiraram aliviados, por se livrarem daquela elegante paciente, que só falava no idioma de Voltaire.
Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}
Texto registrado no Eda