OS TARADOS
OS TARADOS
A notícia chegou por volta do meio dia, abalando a tranqüilidade, primeiro da rua Piauí, depois de toda a cidade. Atravessou as divisas, chegou até São Paulo, trazendo inclusive repórter para a cobertura do repulsivo crime.
Minha mãe, assustada, assim como as outras mães, não queria que saíssemos de casa, quando muito que ficássemos apenas no quarteirão, sem distanciar das vistas protetoras. Na esquina, as comadres tagarelavam revoltadas. Dona Júlia arregalava os olhos e agradecia a Deus por não estar o neto entre as vítimas. Dona Joana, a espanhola, sugeriu linchamento. A idéia foi aceita com simpatia pela calabresa, dona Nina, que explicou como se agia em tais casos na sua terra: - Matavam os delinqüentes devagarinho, cortando pedaço por pedaço, começando pelos bagos. O doutor Malaquias, advogado e candidato a vereador, juntando-se à rodinha, comprometeu-se a auxiliar a acusação, gratuitamente: - única e exclusivamente por me ver no dever cívico de proteger meus correligionários. Aproveito o ensejo para repudiar o nefando crime, se eleito for, tudo farei para que sejam os criminosos punidos dentro do máximo rigor. Tenho dito.
As vítimas eram nossos vizinhos, o Carlito, o Azeca e o Pedro, todos da mesma idade que eu, onze para doze anos. Os três foram encontrados desmaiados na mata da Fonte dos Amores. Cheiravam a vômito e cachaça, apresentavam escoriações diversas. Foi o Zeca quem primeiro voltou a si e contou toda a história:
- Foram os tarados... três tarados... dois pretos e um branco. Nos pegaram no mato, fizeram a gente beber pinga e engolir uns comprimidos quadrados... depois não vi mais nada.
A polícia vasculhou todo o local. O Tiro de Guerra ajudou nas buscas. Voluntários se ofereciam e nada de encontrar os marginais.
Nossa turminha também comentava, cada um dando uma versão mais apavorante que outro.
- Cortaram o pirulito do Zeca!
- Será que morrem?
- E essa pílula quadrada, que é?
O Sérgio, que era o mais avançado da turma, muito sério, sentenciou:
- Eles estão arrombados!
O silêncio foi geral. O medo estava em nós estampado. Horrível palavra essa – arrombados. Sabíamos muito bem o que queria deizer e poderia ter sido qualquer um de nós. Era preferível a morte. Nunca mais iríamos brincar de mocinho nas matas da serra do São Domingos.
Somente ao anoitecer, entretanto, que o mistério foi solucionado. O Carlito e o Pedro se recuperaram e deram a versão que esclareceu definitivamente o caso: na véspera, durante a noite, os três surrupiaram da venda do “seu” Inácio uma garrafa de caninha Sete de Ouro, da amarela. No dia seguinte foram para o mato e a beberam inteirinha. Só não previram que iriam passar tão mal.
- E os tarados? Perguntou o pai de um.
- Tarados? Que tarados?
(conto publicado no Anuário de escritores 2001 – Litteris editora)