O baluarte do Encanta Moça

Climério era um cidadão exemplar: marido fiel de Matilde, pai amoroso de Cleônidas, 23 anos, e de Cleonice, 19 anos.

Casou-se com Matilde, primeira namorada, na igrejinha do bairro, aliás, numa festa e tanto, que movimentou toda a comunidade do “Encanta Moça”, onde não faltaram convidados ilustres, como o vereador Liberato de Jesus, velho líder político do local e a quem coube fazer o discurso de homenagem aos noivos, no qual Climério foi descrito como “baluarte da comunidade do Encanta Moça”. Não sabia o que era baluarte, porém vindo do vereador Liberato de Jesus, só podia ser elogio do mais alto gabarito. Isto mesmo, Climério todo dia antes de ir para o trabalho olhava-se no espelho e dizia, orgulhoso, para si mesmo: “o baluarte do Encanta Moça”.

E lá saía Climério ao trabalho, todo feliz em sua farda de 2º Sargento da Polícia Militar do Estado, para sua ronda diária no centro da cidade, sem esquecer de levar o sanduíche que Matilde preparava e de beijar “as crianças”.

Era baixinho e tinha uma barriga saliente – motivo pelo qual Matilde estava sempre a fazer ajustes em sua farda desbotada – e, a bem da verdade, na última vez que tivera que correr atrás de um “trombadinha”, que flagrou batendo a carteira de uma senhora, não aguentou correr 100 metros e parou suando “em bicas”.

Mas, apesar de todos os problemas inerentes a sua profissão: baixa remuneração, perigo de morte, etc., era ele sim o “baluarte do Encanta Moça” e, ninguém, absolutamente ninguém, poderia tirar isto dele.

A vida de Climério desabou quando ele, certo dia, voltou para casa no meio da tarde, em virtude de forte dor de cabeça. Entrou na casa sem fazer barulho, como era praxe sua, e escutou gemidos vindos de seu quarto, onde lá estavam: a sua querida Matilde e Tonico, o açougueiro da esquina, em pleno ato sexual na cama na qual dormira durante quase 25 anos com sua Matilde.

Climério, entretanto, não se deixou ser visto. Voltou à sala, sentou no sofá e pensou: “se mato os dois, limpo minha honra, porém vou preso e deixo de ser ‘o baluarte do Encanta Moça’”. Descartou esta hipótese.

Pensou numa segunda hipótese: “saio de casa, volto mais tarde e finjo que não vi nada”. Também descartou a segunda, porque a esta altura toda a comunidade já devia saber que era ele um “corno” e não conseguiria mais olhar na cara das pessoas, tampouco conviver com Matilde.

Pensou numa terceira hipótese e, efetivamente, foi a escolhida: pegou um papel, escreveu um bilhete, depois puxou a sua enferrujada arma da PM (que se orgulhava de nunca ter precisado usar), apontou contra a sua cabeça e disparou. E, assim, ultimou-se a vida do bom Climério.

Ah, o bilhete. Este dizia apenas: “quero que escrevam no meu jazigo: “Climério, ‘o baluarte do Encanta Moça’ e que o vereador Liberato de Jesus faça o discurso ao morto”.

E, com efeito, assim o foi: o velho Liberato de Jesus, no cemitério lotado pela comunidade consternada, iniciou o discurso: “Foi-se Climério, baluarte do Encanta Moça”. Era tudo o que Climério queria, para sempre ser “o baluarte do Encanta Moça”.

FIM - 2004

Daniel RB
Enviado por Daniel RB em 03/03/2009
Reeditado em 08/12/2010
Código do texto: T1467844
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