O CÓDIGO DA BOLA DE GUDE

Era início de uma tarde muito fria, em pleno Inverno de Porto Alegre.O vento sul assobiava na janela.Acabara de chegar do quartel onde realizara com meu pelotão, como treinamento, uma jornada de vinte quatro horas a cavalo e marcha a pé.Estava exausto e a tarde, de folga, seria para dormir e me recuperar para o dia seguinte, quando recomeçava o treinamento.Tomei um banho quente, vesti um abrigo de moletom, peguei um cobertor de lã, fechei as cortinas, coloquei uma música suave pra tocar e me atirei na cama.Puxei o cobertor até a altura do rosto e me ajeitei, prestando a atenção na música, esperei o sono chegar.

Não levaram dois minutos e escutei três toques de uma bolinha de gude caindo no piso do apartamento acima do meu.Aquele era o código, nada de telefonemas. Era o sinal combinado.Fiquei atento, podia estar sonhando.Esperei e os toques aconteceram novamente, sinalizava que o caminho estava livre.Precisava atender ou corria o risco de perder o contato e nunca mais ser convidado.Esta possibilidade me irritou, mesmo porque já faziam algumas semanas que não ouvia o sinal e estava sentindo falta.O cansaço era grande e me prendia no calor e no conforto da cama.

Mas era preciso e eu queria atender o chamamento. Num esforço pulei da cama, calcei um tênis e abri a porta do meu apartamento, devagar e sem barulho.Olhei no corredor e não tinha ninguém, eram quatro apartamentos por andar.Estava ansioso e excitado.Para evitar ser visto subi pela escada e no apartamento de cima, tamborilei os dedos na porta, conforme o combinado.

A porta se abriu rapidamente e ela me puxou para dentro explicando:

-Vem rápido, meu pai está trabalhando e minha mãe foi ao dentista e já volta!

E foi me puxando, passamos pela cozinha, sala de estar e no fim do corredor entramos no seu quarto.Retirou, apressadamente, alguns livros da faculdade que estavam em cima da cama onde estava estudando e se despindo da roupa de cima, mostrou seu corpo pequeno e perfeito de mulher bonita, sensual e carinhosa no esplendor de seus vinte e poucos anos.Numa lingerie preta, cabelos longos e pretos, molhados, acabados de sair do chuveiro, mostrava ter se preparado com esmero para o encontro.

-Vem que só temos uma hora! Falou com uma voz pedinchona.

Atendi o pedido e na tarde fria de final de Julho nos amamos intensamente.Uma hora de total felicidade.

Mas o tempo é implacável e com a mesma força que me puxou para dentro do quarto, agora ela me empurrava pra fora.

-Tens que ir, minha mãe já vai voltar!

Nos beijamos, abri a porta do apartamento dela, ninguém a vista no corredor. Fiz o caminho inverso, descendo a escada e entrei no meu apartamento.No chuveiro deixei a água quente escorrer no meu corpo cansado.A música continuava tocando.Estava calmo e feliz.Fui pra cama, me cobri com o cobertor e esperei o sono que veio rápido, mas antes de dormir consegui escutar parte da canção “Love Is A Many Splendored Thing” na voz de Barry Manilow. Depois apaguei.

Acordei só na manhã do dia seguinte com o despertador “cantando” nos meus ouvidos.

HAMILTON SANTOS
Enviado por HAMILTON SANTOS em 26/02/2009
Reeditado em 23/07/2009
Código do texto: T1459055