Como manda o figurino

Unhas meticulosamente cortadas, milimetricamente pintadas. O esmalte clarinho fora o escolhido, seu suave brilho e cremosidade refletiam asseio e discrição. Abotoou a camisa branca cautelosamente para não amarrotar. Vestiu a calça social grafite e calçou o scarpin preto que pegara emprestado de sua mãe.

Olhou-se no espelho. Mal podia se reconhecer e, ainda assim, gostava do que via. A imagem correta refletia-se, era uma profissional, sem sombra de dúvidas. Para que a produção fosse inteiramente bem sucedida, deveria dedicar-se ao toque final.

Separou o par de argolas de prata, pequenas e discretas. Com certeza não era seu par de brincos preferidos, estava habituada aos grandes e chamativos acessórios. A pulseira era igualmente singela, mas com presença. O rosto fôra valorizado com uma maquiagem leve e natural. Admirou-se. Pegou seu casaco de linha azul claro e vestiu-o. Tomou a bolsa preta de couro em suas mãos. Posou de executiva.

Apesar da roupa que acabara de vestir, Paula ainda era ainda uma menina. Vivia uma fase de grandes transformações. Celebrou sua formatura em Economia há cerca de 3 meses e sentia-se frustrada por ainda não ter conseguido um emprego. Aos 22 anos sonhava alto, queria vencer, mas ainda não sabia como. Lia artigos sobre como se inserir no mercado de trabalho, seguia à risca as dicas dos profissionais.

Olhou-se pela última vez no espelho, estava pronta. Despediu-se de sua mãe e ela lhe confiou um beijo e um sussurro desejando boa sorte. Rumou para a entrevista. Conferiu ao longo do trajeto os assuntos que havia pontuado acerca do mercado e da empresa contratante. Era preciso transparecer a imagem de pessoa bem informada e antenada.

Finalmente, chegou ao prédio onde estava localizada a empresa. Surpreendeu-se com o visual moderno e pomposo da construção. Homens de terno e mulheres de tailleur entravam triunfantes pelas suntuosas portas do edifício. Entre as sensações de êxtase e de pavor tentou se recompor. Respirou fundo e, como se inspirasse toda a coragem que pairava no ar, adentrou o prédio.

Aproximou-se da recepcionista, informou que era esperada para uma entrevista na sala 403. A atendente pediu que ela aguardasse e informou pelo interfone que a candidata havia chegado. Em seguida, permitiu que a jovem se encaminhasse para a área que dava acesso aos elevadores.

Sorrindo, Paula agradeceu e caminhou até a área indicada pela funcionária. Entrou na primeira porta que se abriu. Apertou o botão quatro, respirou fundo mais uma vez, cumprimentou um rapaz engravatado que acabara de embarcar naquele elevador. A viagem do térreo ao 4º andar pareceu levar séculos, tamanha ansiedade que sentia.

Ao chegar ao 4º piso, facilmente encontrou o número 403. Bateu suavemente na porta e foi atendida por uma jovem e simpática secretária que trabalhava no local. Paula apresentou-se e logo foi encaminhada para a sala onde estava o entrevistador.

- Paula, este aqui é o Leandro que vai conversar com você. – Esclareceu a secretária.

Sucederam-se aperto de mão firme e olhares receptivos.

- Obrigada por receber-me.

Ele convidou-a para sentar-se à mesa de reunião. Destacou os principais pontos da vaga em aberto e da empresa. Ela ouvia cautelosamente, aprendera nos livros que saber ouvir é uma grande virtude dos líderes. Dialogava com naturalidade. Sentia-se à vontade. Não tinha medo.

Sabia destacar seus pontos fortes e fracos com precisão. Afinal, dedicava parte de seu tempo ocioso com o autoconhecimento. Paula conhecia a linguagem corporal humana, assim, avaliava os trejeitos do entrevistador e sua expressão física. Definitivamente, ela sabia como dominar a conversa.

Leandro sofria da síndrome das pernas inquietas. Sustentado pela perna direita, estremecia a esquerda sem parar. A jovem logo percebeu que ele poderia estar ansioso, ou então, na expectativa de que aquela entrevista acabasse logo.

Pela primeira vez ela intimidou-se. Ainda assim, concentrava-se no que ele falava, assimilava cada sílaba expressada por Leandro. Associava cada frase pronunciada aos conhecimentos que tinha. Prontamente, encontrou um gancho para tornar a conversa mais interessante: falaram sobre o mercado, sobre a empresa, sobre algumas cidades brasileiras.

A jovem estava satisfeita com o fechamento da entrevista, embora pudesse prever que não seria chamada para o cargo. Segura e calma apertou de forma convincente a mão direita de Leandro. Sua intuição logo se confirmaria:

- Nós entraremos em contato por e-mail, seja para uma resposta positiva ou negativa. – Ele falou, dando um sorriso amarelado.

Paula era esperta. Aprendera também sobre o mundo dos adultos. Paula já entendia os eufemismos usados pelas pessoas grandes. Ela compreendera a mensagem, soube ler as entrelinhas. Mesmo assim, ao despedir-se de Leandro, sorriu. Não mostrou um sorriso amarelo, afinal ainda era uma menina, sorriu com a espontaneidade de uma criança.

Outubro/2008

Gisela Andrade
Enviado por Gisela Andrade em 25/02/2009
Código do texto: T1457537
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