O Caminhante

“Nem existir é mais que um exercício

de pesquisar de vida um vago indício

A provar a nós mesmos que, vivendo

estamos para doer, estamos doendo.”

Carlos Drummond de Andrade/ Relógio do Rosário

Vagarosamente o homem caminha por uma estrada deserta. No ombro esquerdo leva um galho seco em cuja ponta detrás há uma trouxa com roupas e outros pertences. O sol esfervilha no horizonte. O vento seco levanta poeira no chão de terra batida. O homem enxuga com a manga da camisa o suor na testa. A garganta, assim como a vegetação, está seca. Tanto de um lado como do outro há cercas de arame farpado que mais lembram seus nada coroáveis espinhos. Cercas que se estendem até onde deixam chegar as vistas, e que parecem lá adiante se confluírem. Mas só parecem.

O homem olha para o céu azul. No alto os pássaros vão se diluindo em pontinhos pretos. As nuvens vez por outra entrecruzam-se na frente do sol. O céu fica mais límpido refletido nas pupilas do homem.

Ele ouve o chiar das pedras em baixo do solado já bem gasto. Seus passos vacilam vez em quando mas são contínuos. Precisa ir em frente, tocando seu rebanho, cada vez mais leve à medida que anda. Outro barulho parece confundir-se com o de seus passos. É um barulho ainda não diferençável. São apenas seus passos que agora já nem os distingue porque caminham sem precedência de um caminho? Ou certos fantasmas? Não sabe nem o importa mais saber. E o barulho é apenas de uma caminhonete velha que, devagar, aproxima-se. Vem balançando cheia de gente, as quais se postam sentadas com as cabeças enfiadas entre os joelhos, trajando roupas e vidas surradas.

_Carona, seu moço, diz o motorista?

_Não. Obrigado.

O carro passa por ele e levanta uma poeira tóxica. Espera-a assentar-se. Tira da trouxa um embrulho com fumo. Retira o suficiente e pega um pedaço de papel. Com o indicador esquerdo dobra-o ao meio. Insere o fumo, enrola o papel, deixa uma dobra e passa a língua, fixando-a. Saca do bolso um fósforo. Equilibra o cigarro na ponta dos lábios e o acende a pequenos tragos, tentando incendiar a outra ponta. Depois de aceso o cigarro, dá uma tragada demorada. E, fumando, retoma os passos. Repara na caminhonete lá adiante. Aos poucos a poeira envolve-a e tudo que se divisa é um redemoinho de areia que vai se amiudando na linha do horizonte. Seus olhos perseguem-na.

Caminhando, ele distancia-se da verticalidade das coisas. O homem não olha pra trás, para lá só ficaram as cinzas do cigarro e algumas pegadas que, conforme o peso de seus passos, imprimiram-se naquele chão. Porém, está ciente do encontro seu com esses. Ele segue andando. Sente fluir o sangue pelas veias e seu coração pulsar. Sente o ar quente e arenoso entrar-lhe pelas narinas e os seus pulmões trabalhando. Sente, osso a osso, o seu esqueleto. E também o seu cérebro operar sem nenhuma inquietação. O homem parece preparado para seguir o caminho, para ir adiante.

*

Ele caminhou durante três dias até ser surpreendido numa emboscada. Quatro sujeitos a cavalo, a mando do patrão, enfiaram-no sete balas no peito. Cambaleou sobre um talho de grama contígua a uma cerca. E caiu ofegante com as mãos apertando o coração.

_Quer seus direitos, aí estão...

O homem, com olhar de complacência ou perdão, mirou cada um dos seus algozes. Esboçou algum gesto ou palavra, porém não disse nada. Preferiu calar-se e seguir seu curso.

antônimo
Enviado por antônimo em 25/02/2009
Reeditado em 26/02/2009
Código do texto: T1457388
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