Amor Latino
Os dias passam lentos, quase param.
O calor é tão intenso que seria capaz de fritar um ovo no asfalto.
Passo pela avenida principal todos os dias e nunca havia notado nada de especial. Nada, mas hoje...
Pilar abordou-me no ponto de ônibus e insistiu tanto, que decidi ir tomar uma xícara de café com ela. A cafeteria ficava abaixo da igreja principal, depois da sorveteria "Beiço Gelado" e ao lado de um estúdio fotográfico, bem na esquina. No caminho, Pilar com toda sua dramatização descrevia-me os últimos instantes do seu "pseudo-namoro-perfeito" com Carlos Alberto, o filho do seu chefe.
-...Mas você não vai acreditar mesmo! Sabe o que ele disse? Que estava cansado de mim e do jeito que eu o tratava! Disse que eu era muito egoísta, ciumenta, possessiva...
Eu estava, sinceramente, cansada de todos os dias ouvir a mesma coisa: "Carlos Alberto não dá valor a nada que faço" ; "Carlos Alberto não gasta dinheiro comigo(e meu deus, ele é rico!)", Carlos Alberto, Carlos Alberto...NÃO SUPORTO MAIS ESSE NOME!
Daria qualquer coisa pra ouvi-la dizer Ricardo, Olavo, Miguel, Tiago...mas CARLOS ALBERTO? Isso lá é nome de gente? Detesto nomes compostos...
-... Ai, ele me segurou pelo braço e disse: "Chega de falar, Pilar! Tudo que você pensa você fala!", Vê se pode! Eu, falar... Eu quase nem falo... E como assim tudo que eu penso eu falo? Eu não entendi isso, mas tudo bem. Então, depois disso ele...
Às vezes penso (mas não falo): Poxa, ela não tem culpa de ser assim, meio: "Mudo de assunto, gosto de azul...", mas me engano, porque parece que ela gosta disso, de aumentar as coisas, falar, gesticular, inventar... Ela deveria fazer teatro, desta forma canalizaria toda essa energia para a arte, e aí não ficaria me enchendo os pacová...
-... E foi isso! Acredita? Ele falou grosseiramente pra eu pegar as caixas com as minhas coisas (acredita que ele havia encaixotado tudo?) e ir embora! Eu quase voei no pescoço dele! Quem ele pensa que é? Ninguém pode me mandar embora, não mesmo! Você acha que eu estou errada, Carmen?
Fico aqui imaginando sua primeira apresentação no teatro: "Minha Vida ao Lado de Carlos Alberto", monólogo escrito e dramatizado por Pilar. Seria muito engraçado, ela falando sozinha, contando suas desventuras ao lado do seu "pseudo-amado-perfeito” (Albertinho), lamentando pra meio mundo e chorando lágrimas de açúcar...
-Carmen, estou perguntando o que você acha de tudo isso! Será que pelo menos uma vez na vida você pode me ouvir? Será que é pedir muito?
Eu assistiria todas as apresentações, até parece que ia perder um espetáculo desses! Ela imitando a voz do Albertinho? Ah, isso seria demais! Devo confessar que é uma das coisas mais engraçadas que já vi na vida! E a cara franzida? Ela imita perfeitamente a cara de indiferença que ele faz...
-Carmen! Você está me ouvindo?
(Continua....)