Tempestade Tropical
Chovia, mas não fazia frio. Eu liguei a TV. Estavam falando sobre uma tempestade tropical em algum lugar da África. Lembrei que nunca estivemos lá. Que a África não existia para nós, a não ser na música e numa ou noutra iguaria. A sua mãe sabia cozinhar muito bem e eu era sempre a mesma: observava. E você não fazia questão de aprender. Vivia, apenas. Ou fazia de conta.
O seu fazer de conta não me afetava. Doía mais a sua atitude inerte, ou antes, a sua anti-atitude na intimidade. O fazer de conta ainda era uma virtude, porque assim você aparecia para os outros. Mas a anti-atitude era a sua forma mágica de desaparecer para mim.
Pensei que poderia protestar contra o seu silêncio. E se eu atirasse uma pedra na televisão? Em suma, a tempestade tropical destruiu casas, famílias perderam os seus pertences. Achei que era um privilégio “perder” os pertences. Assim já era possível mensurar os resultados de uma trajetória. Perder “tudo” o que se reuniu ao longo de dez, vinte, ou apenas um ou dois anos, ajudava a descobrir se o esforço valia a pena.
Eu não tinha pertences, a não ser as minhas roupas, alguns livros e CDs. Se a nossa casa desaparecesse, não diria ter perdido os meus pertences. Teria vergonha de assumir os meus e não os seus. Nunca no espaço de uma existência eu teria a quantidade de quadros, livros, móveis e objetos que você conseguiu reunir. Somando tudo o que havia na casa, os meus pertences eram apenas uma sombra diante dos seus.
E mesmo assim você preferia desaparecer na sombra do que era meu. Eu acabava tendo que aceitar a imponência silenciosa de um espaço que era seu, sentindo, com isso, que, embora eu pertencesse ao seu mundo, ainda assim me encontrava sozinha.