A Desiludida
Entrou correndo e se jogou no sofá. Já não podia mais agüentar tanta inquietação em seu coração. “O que posso fazer?”, pensou. Sua mente estava um turbilhão. Não conseguia mais manter a calma... prolongar a decisão não adiantaria mais. Ficou ali, inerte, olhando para o nada.
Marianna tinha sonhos. Casou-se pensando que havia encontrado o amor de sua vida. Amar era, para ela, a entrega total e irrestrita da vida, a divisão de sonhos, alimento da alma.
Desde pequena sonhara em construir uma família, ter filhos, envelhecer ao lado do homem da sua vida... e agora, via todos seus sonhos desmoronarem e ela nada podia fazer para evitar que acontecesse o inevitável.
Como algo tão bonito poderia ter se desgastado tanto? Em que ponto da vida conjugal perderam o respeito mútuo?
Esperou que ele chegasse. Deu-lhe um longo abraço. “O último”, pensou. Roberto nem olhou para ela, queria mesmo era se alimentar e dormir. “Porco nojento”. Havia dias em que Beto só lhe dava atenção quando queria sexo, fazia rapidamente o que queria, virava pro lado e dormia. Marianna se irritava. Já não era a mesma. Não se reconhecia como a pessoa doce e suave que sempre fora.
Esperou Beto dormir. Pegou suas coisas que já estavam arrumadas em dois sacos de lixo, junto à porta, deu uma última olhada para seu passado. Virou. Respirou fundo.
Quando chegou na portaria, viu que o porteiro dormia. “Que bom”, pensou. Não haverá testemunhas. Quando pôs o pé para fora, sentiu um alívio tão grande... parecia que renascia. O cheiro da noite adentrou suas narinas, como se fosse o primeiro sopro de vida.
Começou a andar apressada, como quem queria recuperar cada segundo de vida perdido. Na rua, não havia viv’alma. Apenas uns gatos passeavam sobre os telhados das velhas casas desbotadas pelo tempo. Assim se sentia Marianna, desbotada. Descolorida. Sem vida. “Mas isso vai mudar”, um sorriso apareceu em seus lábios. Apertou o passo.
Chegou na rodoviária. O próximo ônibus sairia em trinta minutos. “Pra quê escolher o destino? O destino nos escolhe”. Comprou uma passagem, “na janela, para ver a paisagem”. Entrou no ônibus, sem nem ao menos ler o destino daquele velho ônibus, que mais parecia uma carroça velha. Na bagagem, roupas, alguns acessórios e muitos sonhos trancafiados por anos a fio.
Apesar do excitamento, estava tão cansada que não conseguiu esperar que o ônibus pegasse a estrada, caiu num sono profundo. Acordou com alguém cutucando seu ombro. “Ei, moça, já chegamos!”
Atordoada, Marianna olha ao redor, esfrega os olhos que teimavam não fixar as imagens... Nesse momento, um arrepio percorre cada milímetro do seu corpo.
“Mãe!”, grita.
“Como você sabia que eu chegaria? Peguei um ônibus qualquer, e...”
“Filha! Eu sabia que esse dia chegaria...”
“Mas, como?!?”
“Desde que fostes embora, venho todos os dias aqui, na esperança de te reencontrar. Já ganhei o apelido de ‘a Desiludida’, mas nunca perdi a vontade de esperá-la”.
Neste momento, Marianna descobriu que tudo o que precisava, era de um colo de mãe. Que tudo o que uma pessoa precisa, para ser completa, é ser amada por sua família e ter sempre pra onde retornar quando tudo dá errado na vida.