Sobre Janelas e Barganha
Gevárzio caminhava pela rua olhando para todos aqueles altos prédios. Todas as janelas coloridas, amarelas, brancas ou pretas. E o piscar dos prédios lhe era normal. Uma janela acendia, outra apagava. E cada prédio era apenas uma luz da cidade que, como árvore de natal, também piscava. Alheio a imensidão de mundos e famílias que cada janela o levaria, Gevárzio caminhava. Tendo sorte, uma janela conta sua história para o mundo. Sorte da janela, azar dos donos da janela. Nenhum mundo quer viver junto a outro. Todos sorriem, são cordiais, mas nenhum quer que o outro olhe sua janela.
Gevárzio tinha a sua, fechada como todas, mas, como todas, a cortina sempre é muito fina. Só basta olhar pela janela diretamente para ver o mundo, mundos secretos. Ele caminhava a noite sem rumo sem fixar nenhuma janela. Talvez se fixasse descobriria a felicidade de um casal dormindo juntos em sua cama ou a velhinha Rosa Medeiros tricotando ou o adolescente confuso que cortava os pulsos ou o senhor Pablo Garcia que terminava de dar sua última facada na senhora Garcia. Talvez se ele olhasse para essa janela descobriria que Pablo fora traído, mas Gevárzio tinha seu próprio mundo e seus próprios problemas.
Gevárzio parou em uma esquina e encarou os carros passando. Mais janelas. Há alguma coisa com janelas. Queremos descobrir outros mundos ao mesmo tempo em que só nos importamos com o nosso mundo. Há uma falha na curiosidade humana, ela nos torna humanos. Toda uma enchente de emoções percorre as pessoas com cada janela aberta e abrimos elas para termos essa enchente. Emoções rápidas e insignificantes. Gevárzio por outro lado, estava mergulhado em seu próprio mundo.
Parado na esquina pensava em sua filha no hospital, câncer, metástase, inoperável, morte, negação, ódio, barganha. Barganha. Ele chorava e talvez alguém o interrompesse do que estava fazendo se realmente se importassem com seu mundo. Ao contrário, cochichavam baixinho o que viram na janela de Gevárzio. É inacreditável o que um pai pode fazer para uma filha. Barganha.
A janela aberta de Gevárzio trouxe a todos um milagre da cura da filha. Porém a cortina fina não revela todos os detalhes. Somente o atropelamento, Gevárzio e a força sobrenatural que conduziu tudo aquilo sabiam que o funeral do pai era mais que coincidência. Nada sagrado como todos viam. Apenas uma barganha, apenas isso. E a cidade de natal seguiu seu dia.