FALA O DIABO - XXVIII
Hoje não quero falar de amor. Quero falar sobre algo em mim que fede, que me oprime e dilacera, que me rasga como se eu fosse um papel.
Hoje não quero falar de filosofia, não quero fazer um tributo à Razão Iluminista. Porque hoje quero gritar. Quero fazer a minha garganta sangrar. E quero vomitar esse sangue nojento, junto com a minha angústia e o peso dessa paixão insuportável. O amor não é algo bom.
Guria, hoje não tem poesia. Hoje, sou porrada e agonia, sou a dor bruta da solidão que nos consome. Hoje, sou lágrimas e sal.
Guria, hoje não tem a beleza da língua se manifestando com a destreza do verbo polido. Hoje, tudo o que existe é a verdade devorando cada pedaço de meu ser e de meus nervos em frangalhos. Hoje sou carniça, rodeada de urubus e vermes que regorgitam nacos de minha carne podre. Hoje, sou ácido para seus olhos, sou nada, com nada ocupando meus desejos.
Hoje quero te fazer chorar. Quero arranhar o seu ser e expor o seu vácuo. Quero que você sangre, se vomite, se defeque toda, e nada mais seja além de uma borra fétida ocupando espaços das praças, dos bares, bibliotecas, cinemas...
Desculpe, guria. É que o jardim não tem mais flores. O canto da cigarra imprimiu o cinza nessa tarde. Um canto de morte.
Desculpe, guria. É que o jardim já não tem flores, e é hora de ir embora...