CIRURGIÃO SERTANEJO

CIRURGIÃO SERTANEJO

Lá no sertão mineiro os recursos médicos eram escassos e as vezes até inexistentes, e essa situação fazia brotar a três por dois os chamados curandeiros ou raizeiros, que podiam não ter cursos médicos ,mas tinham os conhecimentos adquiridos com a pratica e o conhecimento das plantas medicinais, de todo modo era o que havia e era melhor que sofrer e morrer a mingua.

Naquele pé de serra o mais conhecido e respeitado curandeiro era Francisco das Chagas Andrade, o apreciado Chico Doutor; ele fazia qualquer trabalho que aparecesse, curava feridas, resfriados, reumatismo e fazia partos ou qualquer outra coisa que aparecesse, incluindo picadas de cobras ou outro bicho peçonhento, só uma coisa ele não fazia e era as cirurgias.

Mas como para tudo existe uma primeira vez, para ele também chegou e foi assim: além de mestre na difícil arde da cura, Chico Doutor era também pescador e caçador e dos bons, todos os finais de semana ele montava em seu cavalo baio e partia para as caçadas e pescarias, sempre acompanhado de seu compadre Zuquim e se divertiam o fim de semana todo em paz..

Naquela sexta feira ensolarada os dois saíram rumo a seus locais favoritos, mas como não conseguiram caça e nem peixes resolveram seguir adiante e foram longe demais e encontraram muito peixe no Rio do Cão e muita caça nas matas próximas, no primeiro dia tudo correu bem e depois de um bom jantar de churrasco de paca, muito peixe frito e goles de pinga, foram dormir.

Lá pela madrugada, Chico Doutor foi acordado pelo compadre Zuquim que se queixava de uma forte dor do lado direito da barriga, ele apalpou , ascultou e fez seu diagnostico: compadre, isso só pode ser o apendicite que tá se zangando, vou arriar os cavalos e vamo vortá, porque operação nunca fiz, mas ao tentar montar o doente desmaiou de tanta dor e a viagem foi adiada.

O resto da noite Zuquim gemeu e Chico Doutor fez chá de toda erva que conhecia, esfregou azeite preto na barriga do doente, mas a melhora não vinha e na manhã seguinte apareceu uma febre muito alta e as dores aumentando sempre, foi ai que o curandeiro virou cirurgião, ele disse: amigo compadre, ta na base do sem jeito, viajar ocê não agüenta, deixar ocê morrer não dá.

Vou operar ocê e prometo caprichar, assim falando aumentou o fogo da fogueira, colocou uma panela de água para ferver, amolou uma faca de caça e queimou bem queimada na fogueira e depois botou para ferver na água onde juntou um bom punhado de sal; enquanto isso deu uma garrafa de cachaça para o compadre beber toda e quando o doente desmaiou, partiu para a cirurgia.

Deitou o paciente numa esteira, cravou estacas no chão e amarrou os pés e mãos dele bem amarrados, desinfetou o local do corte com cachaça e fez a incisão e foi seguindo as instruções de um pesado livro de praticas médicas que carregava sempre, mas quan do terminou a retirada do apêndice, se lembrou que não tinha nada para costurar a incisão, mas se deu bem.

Porque perto dali existia um grande formigueiro daquelas formigas cabeçudas, que serviram muito bem como sutura, ele pegava a formiga pelo traseiro forçava no corte, ela mordia e ele cortava o traseiro fora e o ponto estava lá firme e forte; depois de tudo pronto, ele desamarrou o compadre e cuidou dele alguns dias com chás de ervas medicinais e nutritivas sopas de carne de caça.

Quando o paciente se restabeleceu, retirou as cabeças de formigas do corte e voltaram para suas casas, onde ninguém acreditou nessa historia, mas se calavam quando viam a mais perfeita cicatriz desse mundo; Chico Doutor ganhou fama e muito dinheiro depois dessa proeza e se tornou fazendeiro de chapéu de abas largar e um anel de ouro em cada dedo e muitas namoradas.

Maria Aparecida Felicori{vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 04/02/2009
Código do texto: T1422408
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