Da rotina a insanidade
Daquela noite fria e escura, surgia o sentimento, por Zacarias mais temido. A imponência das sobras era perceptivelmente o que lhe causava maior pânico. Na parede já gasta pelo tempo, as sombras forasteiras, avançavam lentamente até que se tornaram impenetráveis por qualquer fonte luminosa. Aquelas sombras não representavam apenas que mais uma noite havia chegado a sua escuridão estrema, mas era também reflexo da mente de Zacarias, que entre seus devaneios constantes havia chegado, mais uma vez ao estado de insanidade.
Sentado na cama parecia repudiar as sombras, e esgueirar-se delas. Olhou para os lados com o habitual olhar esganiçado enquanto, embalando-se de um lado para o outro buscava sossego. Tal qual aquele que ao afogar-se deseja o ar mais do que a própria vida, e com todas as suas forças, mesmo sego por seu estado insano, buscava manter a razão, que pouco a pouco lhe era tirada pelo medo da solidão.
Ao beirar os 40 anos, era rico, culto e instruído. Tudo o que havia conquistado e onde havia chegado, era o sonho de qualquer outro, porém toda a glória e a riqueza eram acompanhadas da solidão que o assolava todas as noites. Seus dias eram supostamente normais e ocupava-se de muitas coisas, porém quando nada tinha para se ocupar, era tomado por seus devaneios e afundado em crises alucinantes via do seu próprio espelho à penumbra, o pesadelo no qual tornar-se para si mesmo.
Esses são os filhos da sociedade, as pessoas formadas pelo exigente e impiedoso mundo. Esse é o manicômio ao qual estamos sentenciados. Todos os dias a noite trás consigo seus milhares de Zacarias que enclausurados em si mesmos e em seus aposentos se sentenciam a “dançar conforme a musica”, a viver conforme o regime imposto pela sociedade. Todas as manhãs os loucos saem de suas casas, e todas as noites fecham-se em suas prisões, sejam elas sua casa ou sua própria mente. Somos todos prisioneiros de uma sociedade que forma doentes e os condena a infelicidade da rotina.